EdLua.Artes

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Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

sábado, 28 de janeiro de 2012

Gênesis - 13º Capítulo

Ela me olhou profundamente, como quem deseja se sentir seguramente confortável antes de falar qualquer coisa. Depois de alguns segundos, seu olhar mudou para uma expressão de quem diz que será uma longa história. Eu a olhei por inteiro tentando prestar atenção aos mínimos gestos. Ela segurava a bolsa na frente do corpo numa postura reflexiva, mas a expressão de sua face estava aberta, apesar das lágrimas que manchavam sua maquiagem. Maquiagem que só naquele instante eu tinha notado. Ela me olhava nos olhos e eu sabia que tinha que falar alguma coisa, mas a atmosfera criada entre nós era tão intensa e de isolamento que, mesmo sobre o efeito daquele olhar que me sondava e se sondava junto, não tinha palavras pra tentar uma aproximação. Ela então, olhou para a bolsa e tive a impressão de que ela estava se distanciando. Tenho a lembrança de ter dito algo sobre a bolsa, não me lembro o quê, mas só pode ter sido isso por que não imagino que outra coisa poderia ter gerado aquela resposta...

- Por que você é assim, tão materialista?- contestou Marília erguendo rispidamente a cabeça com um olhar incisivo.

- Porque, no fim das contas, tudo o que temos nesse mundo é nossa mente e aquilo que conseguimos por nós mesmos!- retruquei acentuadamente e ainda continuei como se eu acreditasse mesmo nisso. Bom, naquela hora eu ainda acreditava, mas agora eu mesmo me contesto sem saber exatamente no que acreditar.- Você só pode pesar coisas concretas. As emoções e sentimentos, por mais fortes que sejam, um dia se desfazem, os vínculos entre as pessoas sempre se quebram! E aí sobra só o que nós temos de concreto! O resto é vazio e sem sentido. E o que nós temos como certo é só aquilo que conquistamos, nossa vida e a certeza da morte!

- Você está errado, tem que estar...- disse Marília abaixando o olhar.- Não. Tem pequenas coisas que não têm preço, não há valor que recompense a perda dessas coisas. Eu sei por que acabo de perder algo muito importante. Você diz que tudo que tem valor ainda está aqui na minha bolsa, mas falta um pequeno pedaço de cristal que resumia grande parte da minha vida.- e chorou tentando expressar uma parte importante dela pra que eu pudesse ver mais de perto.- Não tem nada especial na sua vida? Você nunca ganhou algo que guardou com carinho porque significa algo relevante, mesmo que seja uma besteira, um bilhete, um origami... Enfim, algo que te faça chorar?

- Espera aí! Tà me dizendo que você ta chorando por uma pedrinha barata???- disse surpreso e depois de alguns segundos, continuei.- Um bilhete? Uma dobradura de papel? Entendo que pessoas chorem quando perdem algo de valor, uma casa, um carro, um celular com os telefones das pessoas queridas...- eu tinha esquecido completamente dessa carta num envelope rosa; naquele instante talvez eu só quisesse entender o que estava acontecendo nessa noite incomum de outono, durante a qual não só as folhas e flores dos ipês, mas os sentidos que montei com todo o cuidado pareciam cair como resultado de uma brisa qualquer.- Mas chorar por um pedaço de vidro...

- Não...- disse me olhando nos olhos, a escritora, sem nem fazer a mínima força pra tentar conter ou disfarçar os soluços e as lágrimas.- Era uma jóia falsa em formato de coração... Não... Não é pela jóia que eu choro, é pelo resto... Todo o resto, as últimas esperanças... Minhas últimas esperanças e sonhos passavam por aquela pedrinha de brilhante e pela carta... A carta, Meu Deus... Eu tinha escrito com o coração... Tinha... Eu tinha colocado tudo que eu precisava dizer naquele pedaço de papel, cada gotinha de sentimento... E foi tudo roubado, tudo!... Até a boa-ação que queria fazer pra compensar meus pecados... Até isso me foi roubado! Roubado!!... Aquele homem, coitado!... Não vai conseguir comprar nem pão... Nem pra dois dias!!... Aquele cristal deve valer uns dois ou três reais... Mas valia o mundo inteiro pra mim...- e depois da declaração cortada e incompleta, Marília se entregou ao choro e se isolou nele. Não importava o que eu fizesse ou falasse, ela continuava chorando...

Marília continua tentando fazer Paulo reagir, mas ele parece cada vez mais convencido de que a decisão dele está certa e demonstra claramente o desinteresse marcado pelo olhar totalmente vago, lançado ao horizonte, a postura fechada. Os braços cruzados e a acomodação de estar encostado de lado no batente da porta, dão a nítida impressão de que ele nem está ouvindo a pessoa que por anos dividiu tudo com ele. Parece que ele está ouvindo uma música bem alta num fone de ouvido. Só deve permanecer ali por algum respeito.

Felícia sempre me escutou. Meus olhos agora exibem algumas lágrimas também, acho que não aguentaram a curiosidade e leram a carta amassada de sete anos atrás. Mas não sei definir o que estou sentindo agora, só sei que não é amor, ou talvez só agora seja amor de verdade, sei lá... Fato é que minhas emoções afloraram de vez... Depois de sete anos mantendo a esperança lacrada num envelope, poder ler algo assim mexe com qualquer um, embora de maneiras diferentes...

“Carlos meu anjo, você devia estar preparado pra tudo sei que ninguém pode prever uma separação mas sei lá... parece que você ta forçando demais a barra... você sabe que nada do que você está fazendo vai me levar de volta pra você! Tudo o que você tem me dito, amor, não ta mais fazendo sentido nenhum... Eu confesso que me senti traída quando você me disse aquilo mas já passou eu sei o que você sente por mim só não sei se posso voltar e corresponder como era antes apesar de ainda te amar muito... na verdade eu já tinha percebido que nosso relacionamento já estava enfraquecendo eu já tava fraca você ainda veio falar aquilo tudo... Mas se é tão importante assim pra você... Vem conversar comigo, vamos tentar fazer do seu jeito... eu também preciso de algumas certezas que só terei com você então vem, mas por favor vem sem planos, nenhum de nós dois sabe realmente o que vai rolar e se te conheço bem você vai demorar algumas semanas pra me procurar, vou esperar você me ligar. não vai ser igual mas pode ser melhor como você disse... e se não for mesmo assim acho que temos mesmo que conversar olhando nos olhos como sempre fizemos e resolver isso de uma vez... beijos com carinho Felícia”

Poxa! Ta, legal... Confesso que não esperava assim tanta disposição... Ela tinha decidido me dar mais uma chance, a chance que eu tanto implorei! Felícia... Eu vivi sete anos numa esperança que podia ser real... Sete anos! É engraçado! Na verdade, não sei se é isso mesmo que me faz rir... Não sei se é engraçado, ridículo ou patético, mas sei que para quem me olha de fora devo estar parecendo feliz, devo estar rindo... Não é desespero, mas me sinto desnorteado... Quantas mil vezes eu tive vontade de ler essa carta, mas resisti racionalizando que tudo tinha acabado e armando defesas atrás de defesas???... Quanto tempo perdido, quanta vida perdida! Uma carta que não tive a hombridade de ler! Se eu tivesse lido antes até teria procurado pela dona daquela caligrafia irregular e meio quebradiça, mas feita com a caneta forçada no papel... Determinada ela sempre foi, pena que era orgulhosa demais e de temperamento inconstante...

Mas o engraçado é que sempre pensei que quando lesse essa carta me sentiria triste, mas acho que todo o meu esforço pra aprender a não me deixar levar não foi de todo em vão, pois, embora eu esteja lembrando de tudo que vivi com Felícia, sinto apenas saudade, não amor. Se me fosse permitido acho que iria procurá-la só para dar um abraço e deixaria o resto da vida acontecer, mas... Sete anos não são sete meses... Ela já deve ter casado e quem sabe tido até filhos, não deve mais nem se lembrar de mim... Por que estou olhando para o céu? Essa noite nublada e fria com traços de garoa está me lembrando a mim mesmo... Estou refletindo no ambiente a minha mente cheia de dúvidas e só um pouquinho lamentosa... Como teria sido este encontro ou essa vida alternativa? Acho que não teria dado certo, estávamos muito machucados pra tentar de verdade voltar... Mas e se, por acaso... Se por acaso, eu marquei a vida dela como ela marcou a minha... Ela pode até ter se envolvido com alguém, se casado até, mas ela... pode estar esperando por mim... Ela pode estar olhando para o céu também... Ela gostava das estrelas... Nossa! Quanta besteira estou pensando... É possível dar uma segunda chance a uma mesma emoção? Me pergunto ainda...

Marília tinha mesmo razão... A carta me surpreendeu. E agora, o que fazer com essa emoção??? Como de costume, Felícia transcrevia sua mente na escrita, ela estava sendo sincera ao escrever, mas eu percebo certa confusão... A ausência de cuidado na hora de usar as palavras sempre foi marca registrada dela. Mas, na época, isso era o de menos. Me lembro até com certa empatia de tudo o que vivemos, mas depois de tanto tempo não sei o que fazer... Minha mente racional está sem respostas, sem reação, enquanto as emoções se amontoam contraditórias. Agora entendo a mensagem real do livro de Marília... Agora entendo Pietro...

E pensar que isso tudo veio se desenrolando desde que Marília finalmente respondeu tudo o que eu queria saber, após eu ter conduzido ela a um hotel que ficava ali perto, na avenida, pois ela estava quase caindo, seu corpo já não tinha energia para ficar em pé tamanha a intensidade do choro. Nos sentamos num sofá no hall e procuramos ignorar os olhares estranhos da recepcionista a quem até cheguei explicar a situação, mas, pelo visto, minha sinceridade mal-treinada não tinha convencido muito...

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Continua.... 31/1/12 às 15:00

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje;

Abraços Ed

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Gênesis - 12º Capítulo

- Eu gosto deste beco, tem meus olhos, meu rosto, meu cheiro e tudo o que percebo de minha intimidade, este beco é meu mundo. Um cubículo escuro espremido entre prédios.- dizia ela, eu posso ter perdido algumas palavras, mas o tom dessas não me pareceu de todo triste. Parecia mais reconhecimento lúcido, embora a voz de choro quase escondesse uma carga pesada de ironia.- Só tenho duas saídas: a pequena abertura por onde entrei me mostra, como janela, o abandono usando drogas e mulheres mentindo pra si mesmas, por necessidade, pra realizar os verdadeiros desejos dos homens estranhos...- o tom mudou para uma mescla de uma observação, que me pareceu muito crua, distante e nada pessoal naquela hora; mas, agora, entendo melhor a metáfora: ela estava tentando se ver de fora e de dentro ao mesmo tempo; tudo misturado com um pesar que perguntava a si o que as pessoas estavam fazendo. Ela fez uma longa pausa quase como se censurasse algumas palavras e escolhesse outras idéias, depois, continuou, num tom completamente diferente, intimista e profundo; dividindo o coração em partes, tentando numerizar sentimentos. Agora, sim, falava dela, mas era tão semelhante a mim, ao que eu tento fazer com minhas emoções.- A cidade levou das minhas mãos o meu coração, o coração de vidro que eu tinha acabado de resgatar da bagunça de um quarto de lixo, dois quartos de solidão, um terço de esperança, um ciclo de tristezas cruas, e quatro quartos inteiros de medos trancados que tive que encarar, sem querer e sem pensar...- outra pausa, e eu me perguntava o que a metáfora do coração de vidro roubado podia significar...- Se eu tinha meia chance com um coração transparente e lúcido, agora, sem nada nas mãos, sou eu mesma um nada, um vazio, e ocupo lugar de alguma lata de refrigerante que, mesmo vazia como eu, ainda pode ser reciclada.- prosseguiu Marília, fazendo cálculos condicionais, e, pelo estalido metálico que se seguiu à última frase, deduzi que ela esmagou uma latinha com o pé e depois a pegou. Falou a última frase que realmente me convenceu, era mesmo depressão.- Talvez esteja na hora de abrir as asas de corvo e subir aos céus pela outra saída.- e, em tom solene e frustrado, mas com certo teor de prazer, finalizou, assinando.- O beco, Marília Buonicelli.

Me aproximei, numa tentativa de chegar de leve, com a intenção de ser agradável; tinha a bolsa dela como pretexto e a poesia que, em mim, atuou como um calmante, para aliviar um pouco meus passos. Eu achava que ela estava tentando se re-equilibrar, mas logo ficou claro que, mesmo se essa fosse a intenção da poesia, o que, particularmente, coloco na forma interrogativa, não havia obtido o resultado desejado. Marília estava tremendo, enquanto se ameaçava com a parte mais pontiaguda de uma latinha de coca-cola amassada apontada para o pescoço. Sua expressão mostrava claramente que a razão emocional estava desafiando o instinto de auto-preservação. As mãos representavam por si toda a sua intimidade, a esquerda empurrava a latinha em direção à traquéia, a direita segurava a esquerda. Não me lembrava bem, mas eu estava torcendo para ela ser destra.

Eu sabia que agora eu precisava agir, mas, mais do que qualquer coisa, eu tinha que ser preciso; eu só tinha uma chance de dizer as palavras certas, afinal sendo ela uma escritora, a palavra valia alguma coisa pra nós dois. A pressão da escolha das melhores não era assim tão elevada, se comparada com a luta pra não agir por impulso. Acho que achei uma situação onde tudo o que fiz pra congelar as emoções, todo aquele treinamento pra me parecer com Pietro, tinha sido útil.

Analisando rapidamente tudo o que podia, percebi que ela não havia escolhido aquele lugar à toa. Ninguém escolhe absolutamente nada ao acaso, sempre tem alguma mensagem, algum estímulo, nem que for inconsciente que interfere no julgamento. Isso já era provado há tanto tempo, desde que começaram a fazer interpretação de sonhos. E aquilo me puxou, de alguma forma, a lembrança das aulas sobre pesadelos.

A própria circunstância me trouxe claramente a imagem de um pesadelo clássico. O ambiente representando o campo das emoções que influenciam nas ações. A poesia também me fez acreditar nisso, o beco não era apenas um local onde ninguém a incomodaria, era mais a manifestação física mais próxima do que ela estava sentindo. Mas por que o pescoço, não os pulsos? Beco, pescoço... Tinha alguma relação... Tinha que ter. Sufocamento. Ela estava se sentindo sufocada pelas emoções. Parecia cabível, mas não se encaixava totalmente. Foi, então, que meu subconsciente me trouxe à memória outra passagem do livro que Marília escreveu. Uma das reflexões de Pietro que tinha caído como uma luva para mim: “A sinceridade das palavras, minha amiga, nada significa diante das aparências dos atos, por isso tantas vezes eu menti, polpa um pouco de desilusão, sabe?” Ah, Pietro! Até hoje todo que você filosofava tinha mesmo razão de ser, mas agora tudo está em xeque... Bom, a noite ainda não acabou... Posso ter surpresas.

Marília agora está segurando a mão de Paulo, impedindo que ele entre e feche a porta. Creio que, depois dos pequenos gestos de carinho, Paulo decidiu entrar, julgando que a conversa já não levaria ninguém a nada, mas a escritora ainda tinha algo a dizer e eu reconheço o gesto que ela está fazendo, acariciando a própria face com a mão dele.

- Marília, trouxe sua bolsa...- falei em voz baixa, creio eu, naquele beco.- Olha, eu não sei se...- respirei fundo e medi bem as palavras.- Se você se lembra, mas há sete anos a gente teve uma boa conversa a respeito de um brilhante trabalho de sua autoria...

- Carlos, por que está me seguindo?- indagou ela em tom claro de quem se sente invadida.- O que você quer de mim?

Eu podia ter dito qualquer mentira que se prestasse a sair, mas tem horas que a franqueza é tão espontânea que, quando percebemos, ela já foi dita. Quando me vi falando verdades sem pensar nas consequências eu já sabia que o caminho estava se tornando perigoso. A primeira barreira tinha caído e eu teria que sustentar firme a segunda, a relação não poderia passar de psicólogo/paciente.

- Conversar com você e, quem sabe, depois ganhar um autógrafo.- disse eu olhando fixamente para o rosto dela.- Quero ter a chance de ajudar a criadora do Pietro que me ajudou tanto a passar por momentos difíceis. Marília, você me ajudou muito, Pietro é meu modelo mental...

-Você...- disse ela soltando a latinha e rindo.- Que pena! Sete anos e nada mudou... Continua com Pietro como mo...- e riu de novo.- Deixa pra lá!

- O que é tão engraçado?- estranhei aquele riso tão espontâneo vindo de alguém que estava em depressão profunda. Aquilo aguçou todos os meus pensamentos, afinal, nunca tinha visto ou lido, nem mesmo ouvido nada similar.

- Carlos, você é feliz?- perguntou ela com aquele olhar profundo expressando a tristeza que ela sentia.

Eu não soube o que dizer. Pensei em frases simplistas, mas... Ah! Qual a graça de mentir e ainda tentar a simplicidade? A conversa tinha ganho, de repente, algo a mais com essa pergunta direta e tentar desmerecer o que estava acontecendo com jargões populares, não sei por que, mas não fazia sentido. Era melhor continuar no tom íntimo, mas, é claro, sem perder as minhas próprias rédeas. Me surpreendeu tudo isso; quer dizer, ela mal me conhecia e já tinha tocado assim, sem mais nem menos, no único ponto fraco da minha orgulhosa rede defensiva. Era o ponto fraco por que não tinha um argumento sustentável a longo prazo. Felicidade estava longe de ser um medo, mas ninguém, desde que eu vivi meu processo de renascença pós-separação, tinha ousado me perguntar isso, tamanho foi meu distanciamento e minha reação de descrédito para com os relacionamentos humanos. Nem eu mesmo me permitia indagar se estou sendo feliz. Falando a verdade, a pergunta que eu mais me fiz durante sete anos foi “e agora Carlos, como você vai interpretar os fatos, que compõem a fina rede daquilo que se chama de realidade, para que eles não te machuquem de novo?” Pessoas costumam me perguntar por que sou arrogante, por que sou tão duro, tão sério... Letícia é que às vezes pergunta se está tudo bem e costumava se impressionar com minha reação inabalável. Sempre estou bem, mas se estou feliz é outra coisa!

- Sinceramente, eu não sei o que é felicidade há um bom tempo, Marília...- disse em tom reflexivo enquanto eu entregava a bolsa para dona pela terceira vez.- Mas talvez seja melhor assim, sempre bem, sem momentos de tristeza ou sofrimento. Tudo perfeitamente controlado...- Marília me olhou com um ar de repreensão, mas mesmo assim continuei.- Sabe, a vida foi me ensinando a ser forte e pra ser forte a gente tem que se conhecer muito bem, por que. no final das contas, tudo o que temos é nossa mente e ás vezes nem ela...- ela começou a chorar e pegou a bolsa da minha mão.- Mas, será que você pode me contar o que está acontecendo com você?

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Continua... No dia 28/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

domingo, 22 de janeiro de 2012

Gênesis - 11º Capítulo

Agora já me parece meio que desespero mascarado de minha parte, mas eu já perdi as contas de quantas vezes já paguei o dobro, até o triplo, da hora de serviço de prostitutas só para conversar com elas. No começo, era trabalho para faculdade, sempre tirei as melhores notas com longos trabalhos que tratavam das resistências e aberturas psicológicas das pessoas à margem da sociedade. Claro que fazia o trabalho e ganhava a recompensa ao mesmo tempo, sexo como eu quisesse. Mas durante aquele quarto semestre de estudo eu descobri que eu não era assim tão diferente dessas pessoas, elas eram tão humanas quanto eu e o resto mundo, e, frequentemente, eu fui a essa avenida pagar pra conversar com alguém, sempre com uma diferente já que assim podia conhecer diferentes visões. Eu precisava disso, era como se eu fosse a um psicólogo pra desabafar, com as grandes diferenças de que uma prostituta não mexe intencionalmente com a mente, o que guardava a surpresa de não saber o que viria como benção ou maldição; além disso, nunca foi uma conversa solitária, era uma interação, elas sempre me contavam muito sobre elas, e, como se não fosse bom o suficiente, eu podia ter o alivio físico sem ter que me envolver emocionalmente. Era meu novo modelo de relação perfeita onde todos saíam satisfeitos!

Mas, estranho. Não consigo chegar ao fundo de por que isso me parece tão absurdo. Parece que, de repente, me caiu uma maçã na cabeça e minha ”Força G” recém-descoberta é que eu me orgulhava de uma mentira muito bem inventada. Sempre precisei de alguém pra conversar e, como tinha e ainda tenho medo do preço a se pagar por uma relação genuinamente humana, exatamente como Letícia tão sabiamente deduzira, me satisfazia em ter relações de algumas horas que eu pudesse controlar pelo valor contável do dinheiro... Eu não pagava prostituas, eu alugava réplicas de namoradas completas! E agora tento segurar a gargalhada pra não atrapalhar a conversa na porta da pensão. Nem preciso me preocupar em segurar tanto, pensando bem, pois acho que a menção do riso alto e desesperado parece desaparecer diante da mão de Paulo acariciando o rosto de Marília, parece que eles estão se entendendo, e meu sorriso não reflete bem a minha emoção. Estou contente pelos dois, mas... Espere, ela... Marília está passando a mão nos próprios olhos!? Ela está chorando e ele num último ato de carinho está enxugando as lágrimas dela... É parece que minha racionalidade me deixou, mas meu senso de observação ainda não!

Até esta noite tudo isso funcionava bem, a única pessoa que falava comigo sem cobrar nada era Letícia mesmo... E ela já tinha ido comigo fazer trabalhos deste ângulo suburbano. E mais, ela gostou! Mas, agora que conheço Marilia, as coisas estão mudando muito rápido. É como se nada do que fiz nesses sete anos fosse mesmo necessário. Já me parece que eu só precisava encontrar alguém como esta escritora, alguém que soubesse trocar uma vida inteira em poucas horas, como ela fez comigo.

Quando, depois de perguntar para algumas de minhas namoradas postiças, finalmente avistei, indo para um beco, o vestido longo, bem visível em meio ao ambiente de micro-saias, minha mente funcionava a mil, mas a correnteza de pensamentos indecisos estacava qualquer movimento. Eu não sabia se devia ou se podia ir até lá e, mesmo que quisesse ajudar, eu tive a clara sensação de não saber como me aproximar. Quarto ano de psicologia e tanto estudo não me ajudava em nada numa situação dessa? Não tinha sentido. Eu sempre tirei dez nas matérias que me punham face a face com pessoas estranhas; meu jeito arrogante de ser e minhas falas sempre lógicas e calculadas, me davam toda a cara de psicólogo forense, alguns colegas e muitos professores diziam que eu daria um bom investigador ou promotor tamanha era minha habilidade de sondar a mente de pessoas estranhas. Acho que o único professor que não me treina para esse ramo da psicologia criminal é o professor Sérgio. E acho que agora eu sei por quê. Eu tenho emoções!

E foi naquela hora que eu percebi que na verdade a minha maneira analítica estava prejudicando a tomada de decisão e decidi jogar tudo pro alto, agir por improviso pra variar... Eu não tinha tempo para planos. Diria qualquer coisa que me viesse à mente. Naquela situação, só uma coisa importava, chegar até Marília e impedir que ela cortasse os pulsos ou tentasse qualquer outro método para o mesmo fim, depois eu teria tempo pra revirar a mente dela para poder ajudá-la. Eu devia isso à autora daquele livro que eu lia todo dia para não perder o controle de mim mesmo. E, passo a passo, minhas emoções queriam me levar mais rápido e os pensamentos queriam achar algo pra dizer, acreditando que ela não seria capaz de fazer nada de tão sério contra si mesma. Ponto para a racionalidade!

Me aproximei daquele beco de olhos fechados. A única coisa que me vinha à mente era: “Marília, meu autógrafo!” E esperava que ela abrisse um sorriso, mas, claro, que, naquela situação, pareceria muito mais uma pancada que um carinho para a grande maioria das pessoas. E, de tanto pensar, acabei me lembrando de uma frase de Pietro que tinha influenciado muito na minha decisão de fazer psicologia. “Ouvir o mundo pessoas antes de agir é uma arte que o tempo desenvolve nos poucos corações que se deixam aprender a paciência, não é mesmo, minha amiga?”. Me lembro vagamente do contexto em que a frase foi escrita no livro da escritora que, então, precisava de ajuda. Fico admirado. Nunca uma frase de romance psicológico caiu tão bem a uma situação real! Mas, claro, tem explicação. Meu subconsciente estava buscando algo comum entre ela e eu que se encaixasse na relação de psicólogo/paciente, para que eu pudesse trabalhar a depressão dela.

Marília sempre me surpreendeu, desde a primeira leitura do livro ao encontro no beco da parte baixa de uma avenida famosa. Ela estava fazendo performance poética para as paredes. Além de escritora, ainda é atriz! Cada pessoa tem sua reação a um choque, não me é espantoso que uma escritora como ela tente a poesia como a primeira porta para se recuperar de um, é natural... Parei de andar no meio da multidão e tentei aguçar a audição ao máximo para entender na voz conturbada de Marília as nuanças dos tons.

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Continua... No dia 25/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed