EdLua.Artes

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Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Gênesis - 15º Capítulo

E, nesse instante, foi que tudo que eu sentia, toda a minha vontade de ajudar, toda a minha humanidade, tudo virou compaixão. As palavras de Marília, a expressão dela, eu já havia vivido na minha própria pele. E como eu me senti injustiçado quando Felícia terminou desse mesmo jeito... Esse tempo todo eu achava que meu caso era único, que mais ninguém poderia ser tão insensível quanto Felícia foi naquele dia e terminar um namoro por causa de uma prova de amor. Mas, de repente, aparece alguém como eu! E justo quem eu menos esperava, uma escritora que usa tão bem as palavras. Sempre tive fascínio por escritores e estou até agora perplexo de Marília ser tão ou mais humana que eu... Eu achava que escrever exigia raciocínio de computador para analisar cada sentido de cada palavra e escolher sempre a mais precisa, mas não é bem assim...

- O que houve?- indaguei, creio que com uma expressão espantada, mas logo controlada, pois minha mente disparou um sinal de alerta para eu tomar cuidado por que estava caindo na rede emocional na hora mais errada, eu tinha que ficar frio e distante para poder analisar o que Marília tinha a me dizer.

- Paulo... Meu namorado e eu estávamos discutindo muita coisa a respeito do nosso futuro e isso estava deixando a relação tensa, eu acho...- explicou Marília fazendo muitos gestos com as mãos.- Eu percebia que ele estava se afastando, mas, sei lá, não conseguia mais confortar ele... Não sei se é bem essa a palavra...- ela olhou para as mãos e retomou um choro mais brando, mas ainda carregado com uma tristeza que precisava ser expressa, era perceptível que ela precisava falar sobre isso e precisava contar a história completa; por isso, não a interrompi e tirei o braço de seus ombros num gesto lento e assumi uma postura concentrada.- Por mais que eu abraçasse ele, por mais carinhosa que eu fosse, por mais calorosos que fossem meus toques, meus beijos, por mais feminina, por mais que eu precisasse dele, nada, nada, nada parecia ser o bastante e acho que ele mesmo percebia isso... Ele notava que estava frio e também tentava fazer diferente, mas não dava certo...-

A essa altura, eu tinha que me concentrar no que ela dizia e controlar tudo o que eu tinha escondido dentro de mim pra não confundir minha vida com a dela... Eu também sentia que tudo que eu fazia com minha ex-namorada já não surtia o mesmo efeito, um pouco antes dela terminar. Se bem me lembro, é uma sensação horrível, a gente vai perdendo auto-estima, vai se sentindo inútil e incapaz de fazer a pessoa da qual gostamos sorrir e depois nem se sentir seguro; e ai vem o desespero e as loucuras de amor; e daí por diante só tem o final da relação. Não quero nunca mais passar por essa cadeia de acontecimentos, por isso aprendi a depender só de mim mesmo, assim nada pode abalar minha auto-estima, mas nada pode elevá-la ao nível de felicidade, um pequeno preço a se pagar... Achei, até essa noite, que isso era um complexo da mente masculina, mas essa mulher me provou tanta coisa...

Essa mulher que está neste instante calada e cabisbaixa, ouvindo Paulo falar alguma coisa, provavelmente em tom áspero e desagradável como se fosse o dono verdade. Percebo isso pela expressão irada no olhar dele, parece que Marília chegou ao ponto de discutir atitudes que ela havia engolido para o bom desenvolvimento da relação e ele agora está devolvendo situações pelas quais ele tinha sofrido por ela. Se fosse há quatro ou cinco horas atrás, Marília assumiria tudo como erro dela e imploraria perdão, mas agora, depois da nossa conversa, acho que recuperei um pouco da mulher excepcional que ela realmente é. E pensar que isso tudo foi por causa de...

- ... E foi por isso que um pouco antes do carnaval, Paulo viajou para sua cidade natal, no interior... Ele disse que passar alguns dias distante de mim ia fazer bem pra nós dois, que estávamos nos machucando muito. Eu concordei.- continuou ela após beber mais um copo de água que peguei na recepção do hotel.- Imaginei que por pior que a gente estivesse, tudo daria certo no final... Durante esse tempo que ele ficou fora, eu fui pra casa da minha mãe... É uma casinha simples na área mias campestre daquela cidade onde você mora ou morava quando te conheci, Carlos... Você deve saber como são aqueles bairros afastados, né?...- confirmei com a cabeça.- Geralmente são propriedades familiares onde há três ou quatro casas no mesmo quintal... E, bom, minha mãe mora numa chácara assim com minha tia, minha irmã mais velha, minhas sobrinhas e uma prima que tem três filhos pequenos... Não sei por que, as crianças me adoram... Foi eu chegar lá e pronto! Tia Marília brinca com a gente, leva a gente pra nadar no rio, vem nadar com a gente, Tia... Aquela alegria inocente sempre me conquista e me contagia sabe... Ser criança é mesmo tão bom!- contou ela num tom mais feliz e com a face inundada por uma luz repentina que a deixa linda, pena que logo depois ela lembrou do fato fatal, por assim dizer.- Eu tirei meu pingente e o guardei pra não correr riscos de perder na correnteza do rio... Eu sabia o quanto era valioso pro Paulo... Ele havia me dado o pingente quando me pediu em namoro e disse que seria a nossa aliança, já que ele tinha outro igual... Paulo sempre tão diferente, tão inovador, ele é espetacular, surpreendente em tudo que faz... É isso que mais me atrai num homem e ele tinha isso de sobra. Depois de seis anos, foi a primeira vez que eu tirei o pingente em forma de coração do pescoço, mas era só pra garantir que eu...- mais um pouco de choro rolou suas faces.- Que ele... Que o nosso amor... Estaria... Preservado! Era só essa a minha intenção! Fiz algo tão errado assim, Carlos??? Eu errei em guardar o colar...??

Eu entendi que ela queria a minha resposta, mas ela não veio por que aprendi a não julgar ninguém entre certo e errado. Eu não podia responder com certeza, podia apenas arriscar algo similar a uma só para que aquele olhar de súplica fosse correspondido de maneira apropriada. No entanto, a compaixão ousada que eu estava sentindo queria responder que Marília estava certa. Ao mesmo tempo, minha mente buscava um modo de encaixar os fatos... Faltava uma parte da história. Como guardar o pingente havia causado uma separação tão dolorosa quanto uma traição? A resposta que consegui me parecia estúpida, mas havia acontecido comigo. E essa resposta foi confirmada após eu ter dito que faltava alguma coisa, não me lembro com quais palavras exatamente, depois de muito pensar.

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Continua... 6/2/12 às 15:00

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje.

Abraços Ed

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Gênesis - 14º Capítulo

Me lembro que ela demorou pra se acalmar, o tempo é que não sei ao certo quanto foi. O choro da minha companheira me prendeu e me tragou de tal forma que me impediu de olhar para o relógio que estava na parede bem em frente. Minha concentração se ilhou em como acalmar Marília. Ofereci água e tentei falar palavras doces, mas acho que minha ironia habitual acabou complicando um pouco as coisas... Então, já que as palavras não deram muito certo, decidi instintivamente ir me aproximando para ter contato físico. Me perguntei por que eu estava fazendo aquilo e minha mente me deu a resposta diretamente: “Contato físico é uma forma primordial de conforto, desenvolvida desde a primeira infância com o colo e os cuidados da mãe. Em outras palavras, é a forma mais básica de relacionamento e comunicação, que se desenvolve até a idade adulta, se tornando, então, toda a expressão responsável pela libido e prazer sexual.” Minha própria introdução de um trabalho para uma disciplina optativa que buscava ligações entre a infância e o comportamento sexual dos adultos.

Mas havia um problema, fazia tanto tempo que eu não tinha um grau tão elevado de proximidade física com uma mulher que não estava sendo paga para isso e, portanto, preparada e receptiva a todo e qualquer contato... Eu não sabia o que fazer, ainda mais sendo estudante já tão avançado de psicologia... Eu sei bem que carinho significa muita coisa e, dependendo de onde se toca, pode ser interpretado de vários modos... Fiquei com medo de tocar no joelho, muito perto das pernas pode indicar interesse sexual, e aí a chance dela me achar um tarado era enorme. Mãos indicam intimidade e ligação afetuosa, mas ela poderia encarar como invasão de privacidade se eu tomasse a mão dela do nada. Pior seria no rosto, pra fazer carinho no rosto ou na cabeça é necessária uma dose altíssima de confiança, já que a máquina motriz, o cérebro, e todos os sentidos humanos estão concentrados do pescoço pra cima. Nas costas então, ponto cego, nem se fala o grau de confiança tem que ser quase sobrenatural... Eu não tinha um ponto seguro do corpo dela pra tocar, todos estavam ou ligados ao sexo ou a uma relação de extrema confiança. Creio que mexia muito as mãos enquanto pensava onde eu poderia fazer um carinho sem que ela se sentisse invadida... No ombro! Mas, que coisa! Só agora me lembrei, o ombro é como um ponto neutro do corpo, talvez o único.

Na minha indecisão, Marília deve ter percebido que eu estava inquieto e deve ter percebido minha intenção pelo modo com o qual eu aproximava a mão da mão dela, às vezes do rosto, mas nunca chegava a tocar... Ela pegou minha mão e segurou um pouco entre as suas, depois, lentamente aproximou minha mão de seu rosto e acariciou-o com as costas dos meus dedos... E eu enxuguei algumas lágrimas dela... E ela encostou a cabeça no meu ombro, já mais confortada e mais aberta. Por fim, ela colocou meu braço por trás de seu pescoço e minha mão no braço dela segurando minha mão com certa força e, depois de uns segundos, parou de chorar.

- Faz mais de três meses que não me sinto assim...- disse ela num suspiro relaxado e profundo.

- Assim, como?- naquela hora eu não entendia direito as emoções de Marilia.

- Tranquila... Segura...- me explicou ela, como se fosse óbvio.

- Como pode se sentir segura com um estranho?- estranhei parecendo um filósofo, mas creio que um leve sorriso apareceu por ter conquistado a confiança dela.

- Mas você não é um estranho...- disse ela num tom reflexivo e carinhoso.- Não depois de tudo o que você já fez por mim essa noite... Você podia ter me deixado a qualquer instante, mas você está aqui até agora, entende? Além do mais, realmente, não me sinto nem um pouco ameaçada por você. Acho que você só quer mesmo me entender e me ajudar...

- Bom, em uma coisa você tem razão.- falei em tom ameno e claro ao perceber que ela estava fazendo carinho na minha mão com o polegar.- Eu quero te entender... Quanto ao resto, eu já não sei...- ela me olhou e apertou minha mão como quem diz que não quer ser abandonada.

- Carlos...- ela ainda estava escolhendo as palavras, me chamou só pra não perder minha atenção e, sabendo disso, permaneci com o olhar fixo em seu rosto.- Eu não tenho nem dormido direito de tanto que minha história tem me machucado...- disse ela limpando os olhos com um lenço retirado da bolsa. Boa parte da maquiagem borrada ficou no papel e, por trás da sombra dos olhos dela, haviam olheiras causadas pelas noites mal-dormidas. Percebi, naquele gesto, certa necessidade de provar que realmente ela estava sentindo muita angústia e que as noites de insônia de fato ocorriam, mas ainda era cedo pra julgar se era pedido de socorro ou obsessão pela verdade.- Meu namorado... Depois de seis anos... Terminou comigo... Na quarta-feira de cinzas... Estou mal desde então, pois sei que ele está com a razão, mas...- suspirou.- Queria que ele me entendesse... só isso...

- Hum... E qual foi o motivo da separação?- e minha mente já se armava na defensiva... Casais se separam todo dia, é normal, absolutamente normal...- Se não quiser falar...- completei, afinal se ela ainda estava tão machucada, era bom dar a opção. Às vezes as lembranças torturam nossas emoções e eu me lembro que foi por isso que escolhi abandonar e reprimir o meu lado emocional... Não consegui apagar Felícia da memória como eu queria, mas tirei todo o sentimento das lembranças... Ou, pelo menos, imaginava ter tirado até ler aquela carta... E a imaginação criou uma certa realidade que me permitiu viver com segurança até aqui.

-Eu trai ele....- disse ela suspirando e olhando pro chão, depois de um minuto de reflexão.- Quer dizer, na verdade, ele se sentiu traído... Eu só queria proteger o que valia a pena, o nosso amor. E aí ele disse que era melhor terminar...

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Continua... 3/2/12 às 15:00

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje.

Abraços Ed