Eu dei um beijinho no rosto dela e, logo depois, me distanciei em choque. Ela só podia estar brincando... Decidi nem dar muita bola, mas uma coisa é certa ela me conhece e me entende como ninguém. E o silêncio dela no resto do trajeto até chegar aqui, a hesitação toda, aquela conversa sobre escolhas e a carta em minhas mãos que estou desdobrando e lendo, minhas emoções girando. Tudo parece assumir outras conotações, outros sentidos...
”Carlos, se eu estiver chorando, abra os braços por que eu vou te abraçar na certeza do presente. Se eu estiver séria, abra os braços por que eu vou te abraçar na certeza do presente. Se eu estiver sorrindo... Feche os olhos e sinta meu calor por que eu vou te abraçar e te dar a certeza de que está tudo bem, tudo certo! Se você quiser ir fazer uma visita pra Felícia pra descobrir suas próprias respostas, me chame, se precisar de companhia, e eu estarei com você! Marília”
E minha escolha é obvia, embora seja regida também pelas emoções dessa noite fria de maio. Felícia é passado. Marília é quem me faz bem. Eu abro os braços pra acolher de novo o equilíbrio das partes. “Na verdade, é esse jogo de sentidos maleáveis que torna as emoções plausíveis de serem analisadas e, consequentemente, influenciadas pelo ato de refletir sobre elas, após a conscientização de sua existência. Podemos, por assim dizer, concluir que as emoções são capazes de criar relações, mas é a consciência do que ocorre com elas que permite à mente julgar se tudo o que sentimos está realmente acontecendo. Emoção e razão não são inimigas, são duas contrapartes em uma conversa mutua dentro e fora dos campos mentais ou inter-pessoais.” O último parágrafo da introdução às relações humanas; li enquanto caminhávamos do ponto de ônibus até aqui. E eu concordo. É outono, mas tudo parece florescer. Tudo bem, ta tudo certo!
Paulo e a mulher já entraram e fecharam a porta. Marília finalmente se virou de frente pra mim e está levantando as mãos e passando elas na frente dos olhos... Agora está levantando a cabeça e vindo, sorridente, em passo leve e rápido e já me abraça muito forte.
- E então? Qual é a resposta?- pergunto bem baixinho e correspondendo o abraço, dessa vez, sim, com toda a sinceridade do mundo.
- Ela está grávida de cinco meses e ele é um grande homem por resolver assumir o filho dele, mas estava morrendo de vergonha de assumir pra mim, que estive com ele por seis anos, o que fez, por isso, não serve pra mim. Não é sincero como você e eu quero paz e segurança, sem perder o amor!- responde ela e emenda rindo com um olhar sedutor e aproximando o rosto do meu.- Me leva pra casa?
E mesmo com a proximidade, ainda me sobra tempo de analisar... Ela sofreu tanto se colocando no papel de traidora e, na verdade, ela acaba de descobrir que o homem a quem ela fazia questão de provar que não escondeu nada é quem tinha muita coisa escondida. Ela deve estar tão carente, embora seu tom, sua postura, suas palavras e seu sorriso, concordem entre si e, por isso, não mostram nada além de uma mulher segura daquilo que quer e disposta a lutar por isso até conseguir. Mesmo assim...
- Não é cedo demais pra começar algo?? Você pode tá querendo só esquecer ele! Acabou de descobrir tudo isso. - pondero eu num último relance de medo.
- Carlos, você pensa demais, confabula demais... - diz ela em tom de brincadeira e muda para o tom compenetrado de seu olhar.- A única coisa que descobri hoje foi o começo de uma história que eu quero viver!
E enquanto ela me rouba esse beijo ardente e incontrolável, com a calma de quem sabe amar sem perder o seu valor, eu me entrego sem esperar muito, apenas o bastante pra criar um laço que não machuque, e concluo: emoções são voláteis demais, o próximo beijo já terá um outro sabor. Não é possível dar uma segunda chance a uma mesma emoção nem a uma mesma relação, mas é possível dar uma segunda chance às emoções em geral e abrir uma porta para o que o mundo pode nos dar de melhor!
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Obrigado por terem acompanhado e compartilhado essa história comigo ao longo destes dois meses. Eu espero que tenham gostado. Por favor, comentem. Desculpem por quaisquer erros não-intencionais que tenham passado batido durante as revisões.
Quero anunciar que pretendo continuar essa série, já tenho idéias para a continuação, mas não prometo nada...
Abraços Ed