EdLua.Artes

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Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Gênesis - 3º Capítulo

“Relações humanas dependem de fatores básicos, fora, claro, as leis de espaço/tempo, sendo eles: o interesse, razão péla qual os indivíduos se aproximam para iniciar uma relação, ou mantê-la, e, sobretudo e primordialmente, a emoção que constitui o interesse. (...) O interesse nada mais é do que emoção que chegou ao estado de pensamento e está pronta a se expressar de maneira ordenada para que possa ser pesada pelo balanço racional de custo/beneficio, mas, fundamentalmente, ainda é emoção e, por isso mesmo, sujeito à instabilidade. (...) Uma vez que a relação entre indivíduos sofre qualquer impacto, podendo este ser de origem externa ou interna, positivo ou negativo, a emoção que gera o interesse é modificada, causando tensão, relaxamento, equilíbrio, ou desarmonia na balança racional, o que leva à manutenção ou ao corte da relação, dependendo do plano do interesse. Assim sendo, pod...”

Eu fechei o livro de capa dura e envelhecida que data de 1957. Meus pensamentos haviam parado no primeiro trecho do capítulo de introdução aos relacionamentos humanos e não conseguiam ir além. Simplesmente, não entendiam o interesse como emoção ascendida, pois, colocando dessa maneira, as emoções são as bases do pensamento racional. Não pude suportar essa idéia maluca. Olhei para o relógio de pulso de um rapaz que estava se segurando na barra de metal. Eram 17:45 de hoje, digo, ontem. Já são 2:00 da manhã e Marília ainda está pensativa, parou no meio do caminho e me procurou com o olhar ainda há pouco. Mas agora já está andando de novo...

Fechei os olhos para reanimar a mente, e instigá-la a ler para provar o contrario daquela teoria que me parecia perversa; aquilo me parecia teoria de poeta ou qualquer outra classe de artista, mas não de psicólogo renomado com pós-graduação em filosofia. Ouvi as meninas fofocando, os rapazes discutindo coisas da faculdade ou de futebol ou sobre as ordens erradas dos chefes, o motorista reclamando do trânsito, os motores passando ao lado, as rodas girando. Resolvi colocar o fone de ouvido de meu celular e ouvir uma música relaxante. Ah! Que tranquilidade...

Graças à minha estratégia de ficar na faculdade até tarde, pegar ônibus quando ainda estavam relativamente vazios havia virado hábito, e ganhava muito mais conhecimento também, pois, podia ficar conversando com os professores ou lendo um bom livro na sombra das árvores. Mas, certamente, a maior vantagem era o ônibus com lugar pra se sentar. Eu estava sentado e pude relaxar com a música e olhar pela janela as flores de ipê-roxo balançando ao vento e caindo na alameda sob a luz alaranjada do poente. Eu, alheio ao ambiente de stress do ônibus, só queria encontrar a resposta para a pergunta: “É possível dar uma segunda chance a uma mesma relação?”

Maldita pergunta daquele velho maluco, professor Sérgio, de psicologia inter-pessoal. Manhã de um dia de maio. Repliquei a explicação dele, afirmando categoricamente que o interesse racional é única razão para as pessoas ainda se relacionarem, dei exemplos usando a própria sala de aula: todo mundo ali se usava. O professor olhou no fundo dos meus olhos e me fez a pergunta fatal: “Você acredita mesmo nisso, senhor psicopata?”.

A classe riu. Eu queria responder que sim e me afirmar psicopata. Mas a resposta não veio, nem que sim nem que não. Meu lado humano ainda existia e ainda tinha força para lutar depois de anos de auto-opressão? Todos pararam de rir quando perceberam meu choque. Uma menina se aproximou e me abraçou por trás e falou ao meu ouvido:

- Carlos, ta rindo do que?

- Relações humanas, minha cara Letícia, podem causar esse tipo de choque mental/emocional...- explicava o professor quando eu interrompi.

- Sim.- eu disse entre gargalhadas.- Eu quero acreditar nas emoções, quero acreditar nas segundas chances, mas o mundo me fez racional à força...- fiz uma pausa de descanso.- Então, sim, acredito na racionalidade.- me soltando do abraço de minha amiga e recuperando minha seriedade.

- Coração partido?- disse o professor.- Entendo. Seu olhar sempre atento e frio é isolamento, defesa. Você tenta se defender das emoções e a melhor maneira de conseguir isso é sendo vigilante e intocável, não é?- ele me olhou com mais atenção.- Espere! Você não é racional, você ainda acredita nas pessoas, mas tenta racionalizar para evitar ter que pedir...- eu ia saindo da sala, enxugando algumas lágrimas sinceras.- Carlos, espere, fique!

- De repente parece que ganhei a sua estima, professor.- respondi num tom grosseiro.- Ta vendo como tudo é interesse...- olhei para ele com raiva.- O senhor só me quer aqui por que percebeu que sou o exemplo perfeito pra aula de hoje... Vai analisar minha mente num tipo de terapia grupal e depois se vangloriar por ter me curado. Mas essa é a minha cura, minha rede racional me impede de esperar grandes atos de bondade de pessoas medíocres...- lhe dei as costas e sai da sala percebendo que todos haviam se espantado. Do corredor ainda ouvi o professor me dizer que ele queria mesmo me ajudar e convencendo Letícia a me deixar um pouco sozinho.

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Continua... No dia 1/1/12 às 19:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

domingo, 25 de dezembro de 2011

Gênesis - 2º Capítulo

Ela me beija. Um beijo rápido, no canto direito da minha boca, deixando um gostinho a mais de suspense. Agora sim, é oficial, não sei o que esperar dessa madrugada gelada! Minha mente que costuma ser questionadora, dessa vez me dá apenas uma resposta: ela não quis invadir o sentido estreito da outra carta, mas quis me dar o gosto de um beijo na boca... Por quê? Acho que tenho já duas partes da tríade nas mãos, as duas cartas. A terceira peça será a resposta que queremos.

Antes de partir para tocar a campainha da pensão, ela faz carinho no meu rosto. Um gesto de agradecimento. Eu repito o gesto, também devo muito do que sou agora a essa mulher. Em menos de oito horas, ela me transformou em outra pessoa.

- Carlos, obrigada por ter me trazido até aqui em sã consciência.- diz ela me olhando nos olhos.- Espero que eu saiba escolher o melhor e espero que você saiba escolher o caminho do seu coração.- ela deixa o braço cair e cruza as mãos à frente do corpo, mas o olhar continua fixo.- Se você não quiser, não precisa ficar e presenciar a cena final, pode ir embora, saberá onde me encontrar amanhã...

- Marília, eu não vou embora...- digo lutando contra todas as minhas inseguranças.- Prometi que ficaria com você até a resolução final e pretendo cumprir...

- Mas...- replica ela me olhando preocupada nos olhos.- Pode demorar...- ela ri do meu olhar e continua.- É, nada que eu diga vai te fazer me abandonar, né?- faço que sim com a cabeça e vejo a boca dela se mover sem voz me dizendo para ler as cartas.

E, com um sorriso amarelo nos lábios, ela se vira de costas para mim e vai andando devagar. De repente, uma dúvida me veio à mente...

- Marília!- chamo em voz baixa, ela para e se vira de novo pra mim com um olhar de “pode falar”.- Qual eu leio primeiro?

Ela ri um riso divertido, mas contemplativo. Riso filosófico, daqueles demorados e de som abafado.

- Penso que se eu disser “a minha” será uma atitude de fura-fila, e eu não sou fura-fila.- e, sorrindo, ela complementa num gesto de pura humanidade.- Quem sou eu para atropelar pessoas do seu passado? Sério, Carlos, não sou tão banal e frívola assim pra não respeitar a carta da Felícia, ainda mais sabendo o que ela escreveu. Leia a dela primeiro.- ela pisca o olho direito.- Claro, essa é só minha opinião. O juízo final será seu.- se vira e continua andando em direção a pensão, murmurando.- Coragem, Carlos! Coragem!

E lá vai Marília atrás da nossa resposta. Enquanto eu abro o zíper de um bolso frontal da minha mochila e pego o envelope cor-de-rosa já muito marcado por tantas dobras e amassados.

Deixo a mochila aos meus pés e me encosto ao poste numa atitude taciturna. Olho para as cartas e para o vestido longo que se distancia de mim tremulando ao vento de uma madrugada qualquer. Minha mente me abre dois caminhos de investigação diante dos fatos e matérias que se apresentam aos meus sentidos.

Uma análise lógica da última fala da minha acompanhante seria absolutamente inútil e fútil, não só por que não tem lógica ela estar afetivamente interessada em mim e, mesmo se estivesse, não faria sentido pedir para ler primeiro a carta da outra pessoa e depois insinuar para ler a dela; mas por que minha mente, pela primeira vez em anos, está desabilitada para trilhar o caminho lógico das coisas; restando, portanto, apenas o fluxo de lembranças que o tremular desse vestido branco, longo e estampado com borboletas e flores em tons diferentes de lilás e violeta, me traz e a inundação de sensações estranhas e bárbaras que me sobra do encontro com Marília. Esse vestido tremulando me lembra...

É estranho me render à corrente das lembranças emocionadas, parece que toda essa noite ainda está pulsando de alguma maneira. Parece que perdi a noção do tempo e passado remoto está lentamente se confundindo com o que acaba de acontecer e isso me assusta. Não, é pior que medo, pavor ou fobia... É incômodo, confuso, chega a doer, mas é alívio e prazer. Felicidade em perder o controle da mente, só eu mesmo! Rodo as cartas nas mãos enquanto observo, totalmente paralisado pelo gozo do momento, a ruptura de minha barreira lógica. A barreira sólida dos meus dias tremulando ao vento e eu rindo, feito criança! Que lindo!

Olho mais uma vez para o vestido de Marília... Ele me lembra... Me deixo levar agora e de uma só vez para dentro da história...

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Continua.... No dia 28/12/11 às 15:00


Por favor, comentem o que acharam do capítulo de hoje

Feliz Natal!!!!