EdLua.Artes

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domingo, 22 de janeiro de 2012

Gênesis - 11º Capítulo

Agora já me parece meio que desespero mascarado de minha parte, mas eu já perdi as contas de quantas vezes já paguei o dobro, até o triplo, da hora de serviço de prostitutas só para conversar com elas. No começo, era trabalho para faculdade, sempre tirei as melhores notas com longos trabalhos que tratavam das resistências e aberturas psicológicas das pessoas à margem da sociedade. Claro que fazia o trabalho e ganhava a recompensa ao mesmo tempo, sexo como eu quisesse. Mas durante aquele quarto semestre de estudo eu descobri que eu não era assim tão diferente dessas pessoas, elas eram tão humanas quanto eu e o resto mundo, e, frequentemente, eu fui a essa avenida pagar pra conversar com alguém, sempre com uma diferente já que assim podia conhecer diferentes visões. Eu precisava disso, era como se eu fosse a um psicólogo pra desabafar, com as grandes diferenças de que uma prostituta não mexe intencionalmente com a mente, o que guardava a surpresa de não saber o que viria como benção ou maldição; além disso, nunca foi uma conversa solitária, era uma interação, elas sempre me contavam muito sobre elas, e, como se não fosse bom o suficiente, eu podia ter o alivio físico sem ter que me envolver emocionalmente. Era meu novo modelo de relação perfeita onde todos saíam satisfeitos!

Mas, estranho. Não consigo chegar ao fundo de por que isso me parece tão absurdo. Parece que, de repente, me caiu uma maçã na cabeça e minha ”Força G” recém-descoberta é que eu me orgulhava de uma mentira muito bem inventada. Sempre precisei de alguém pra conversar e, como tinha e ainda tenho medo do preço a se pagar por uma relação genuinamente humana, exatamente como Letícia tão sabiamente deduzira, me satisfazia em ter relações de algumas horas que eu pudesse controlar pelo valor contável do dinheiro... Eu não pagava prostituas, eu alugava réplicas de namoradas completas! E agora tento segurar a gargalhada pra não atrapalhar a conversa na porta da pensão. Nem preciso me preocupar em segurar tanto, pensando bem, pois acho que a menção do riso alto e desesperado parece desaparecer diante da mão de Paulo acariciando o rosto de Marília, parece que eles estão se entendendo, e meu sorriso não reflete bem a minha emoção. Estou contente pelos dois, mas... Espere, ela... Marília está passando a mão nos próprios olhos!? Ela está chorando e ele num último ato de carinho está enxugando as lágrimas dela... É parece que minha racionalidade me deixou, mas meu senso de observação ainda não!

Até esta noite tudo isso funcionava bem, a única pessoa que falava comigo sem cobrar nada era Letícia mesmo... E ela já tinha ido comigo fazer trabalhos deste ângulo suburbano. E mais, ela gostou! Mas, agora que conheço Marilia, as coisas estão mudando muito rápido. É como se nada do que fiz nesses sete anos fosse mesmo necessário. Já me parece que eu só precisava encontrar alguém como esta escritora, alguém que soubesse trocar uma vida inteira em poucas horas, como ela fez comigo.

Quando, depois de perguntar para algumas de minhas namoradas postiças, finalmente avistei, indo para um beco, o vestido longo, bem visível em meio ao ambiente de micro-saias, minha mente funcionava a mil, mas a correnteza de pensamentos indecisos estacava qualquer movimento. Eu não sabia se devia ou se podia ir até lá e, mesmo que quisesse ajudar, eu tive a clara sensação de não saber como me aproximar. Quarto ano de psicologia e tanto estudo não me ajudava em nada numa situação dessa? Não tinha sentido. Eu sempre tirei dez nas matérias que me punham face a face com pessoas estranhas; meu jeito arrogante de ser e minhas falas sempre lógicas e calculadas, me davam toda a cara de psicólogo forense, alguns colegas e muitos professores diziam que eu daria um bom investigador ou promotor tamanha era minha habilidade de sondar a mente de pessoas estranhas. Acho que o único professor que não me treina para esse ramo da psicologia criminal é o professor Sérgio. E acho que agora eu sei por quê. Eu tenho emoções!

E foi naquela hora que eu percebi que na verdade a minha maneira analítica estava prejudicando a tomada de decisão e decidi jogar tudo pro alto, agir por improviso pra variar... Eu não tinha tempo para planos. Diria qualquer coisa que me viesse à mente. Naquela situação, só uma coisa importava, chegar até Marília e impedir que ela cortasse os pulsos ou tentasse qualquer outro método para o mesmo fim, depois eu teria tempo pra revirar a mente dela para poder ajudá-la. Eu devia isso à autora daquele livro que eu lia todo dia para não perder o controle de mim mesmo. E, passo a passo, minhas emoções queriam me levar mais rápido e os pensamentos queriam achar algo pra dizer, acreditando que ela não seria capaz de fazer nada de tão sério contra si mesma. Ponto para a racionalidade!

Me aproximei daquele beco de olhos fechados. A única coisa que me vinha à mente era: “Marília, meu autógrafo!” E esperava que ela abrisse um sorriso, mas, claro, que, naquela situação, pareceria muito mais uma pancada que um carinho para a grande maioria das pessoas. E, de tanto pensar, acabei me lembrando de uma frase de Pietro que tinha influenciado muito na minha decisão de fazer psicologia. “Ouvir o mundo pessoas antes de agir é uma arte que o tempo desenvolve nos poucos corações que se deixam aprender a paciência, não é mesmo, minha amiga?”. Me lembro vagamente do contexto em que a frase foi escrita no livro da escritora que, então, precisava de ajuda. Fico admirado. Nunca uma frase de romance psicológico caiu tão bem a uma situação real! Mas, claro, tem explicação. Meu subconsciente estava buscando algo comum entre ela e eu que se encaixasse na relação de psicólogo/paciente, para que eu pudesse trabalhar a depressão dela.

Marília sempre me surpreendeu, desde a primeira leitura do livro ao encontro no beco da parte baixa de uma avenida famosa. Ela estava fazendo performance poética para as paredes. Além de escritora, ainda é atriz! Cada pessoa tem sua reação a um choque, não me é espantoso que uma escritora como ela tente a poesia como a primeira porta para se recuperar de um, é natural... Parei de andar no meio da multidão e tentei aguçar a audição ao máximo para entender na voz conturbada de Marília as nuanças dos tons.

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Continua... No dia 25/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

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