EdLua.Artes

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Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tá é clássico, mas vale a pena ler!


A Diferença
Edgar Izarelli de Oliveira

Encantar-se é enxergar rara beleza no que nos oferece apenas a incerteza
Disposta numa salva de prata de pequenas identidades misteriosas
Espelhadas nos olhos, gestos e sorrisos, no jeito de falar, no assunto e no desfecho.
É conhecer, de repente, partes da gente em outro mundo simétrico e diferente,
E admirar o rápido fluxo da dimensão temporal de se estar naquela companhia;
E, confundindo admiração com alegria, concordar com a destreza sinistra do presente
Que parece se anunciar em qualquer frase gentil dita no subjuntivo dos equívocos.
E, mesmo sabendo que é um erro, dar-se o benefício da dúvida que não nega nem firma,
Se permitindo ponderar penas e contra-sensos habituais aos medos de um reflexo,
E tentar, assim, equilibrar o peso das madrugadas velozes com a leveza dos sonhos,
Só pra saber se a ilusão vale a realidade ou se é no IN-verso que está a verdade,
A prova de quanto é passageira a inspiração fornecida através deste pseudo-insight.

Apaixonar-se é assumir riscos ignorando as consequências e as contradições;
É entregar-se sem pensar e precisar se perder cada vez mais num outro mundo
Que pode ser um corpo amistoso ou território enigmático, campo-minado,
Tumba de segredos ou cidade destruída por bombardeios consecutivos.
Apaixonar-se é se atirar cegamente e se viciar na arma química do desconhecido,
E, depois, virar muitas noites em coro de raivas, fazer uma dolorosa desintoxicação,
Mas acordar com a marca sorridente da esperança rubra de ter marcado o suficiente...
Apaixonar-se é mesmo aproximar-se e diluir fronteiras existenciais em poesias intensas
E ter medo de perder a mescla labiríntica das necessidades de reconhecimento,
Envolvendo-se numa trama confusa de sentidos flácidos que logo caem em desuso.
É sorrir para o medo e dizer arrogantemente covarde que ele não existe.

Mas amar, amar é superar-se e ir além, amar é fazer a diferença; é escrever romances!
Amar é amar-se antes, e querer tão bem, por querer mesmo, a presença do outro
Que se prefere dar a liberdade e assegurar confiante o porto seguro de seus abraços.
Amar o outro não significa abnegar-se, mas, sim, ter auto-estima em alta
Pra poder caminhar de mãos dadas formando um elo de estradas e pensamentos.
Amar é poder abrigar outro mundo inteiro dentro de si durante as tempestades,
É ser pilar forte que sustenta a cabana em pé perante os piores terremotos,
É ser farol e estrela-guia nas ondas apaixonadas de qualquer maremoto,
É estar sempre presente para assumir os medos, as ansiedades e as afirmações;
E, por pior que tudo possa parecer, amar é ter com quem contar pra enfrentar
O resto anônimo dos traumas psicológicos e das prisões que a vida erguer adiante.

E com essa diferença básica, quase que tão clássica quanto Shakespeare e Camões,
Agora tenho em mãos a poesia que te oferece e garante meu amor mais íntegro,
Pois, para te amar não preciso nem quero perder a poesia de encantos e paixões!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Gênesis - 10º Capítulo


Ela estava presa no seu mundo particular, alheia a tudo. O sofrimento era evidente. “O próximo ponto será o último”? Não. Eu me espantei quando percebi que aquilo não era metáfora. A próxima parada do ônibus era numa avenida muito movimentada da cidade onde havia prostitutas e drogados. Ela ia se render à realidade como eu fiz, mas apontador? O local movimentado e real de repente me pareceu disfarce. Ela pretendia se cortar com a lâmina do apontador!

Olhei pela janela, por sorte o transito estava carregado, mas mesmo assim já estávamos perto do ponto. Eu tentava me lembrar o que me disseram quando eu tentei me matar. Felícia me dizendo que não ia voltar comigo, eu sem entender por que, sem entender o que tinha feito. Eu quis morrer mesmo, a vida sem ela não fazia sentido nenhum. Foram tempos difíceis. Fico pensando o que seria de mim sem Marília e a resposta que hoje me assusta e me parece sem sentido, na época era a melhor senão a única solução plausível. Aquelas três semanas esquecidas começaram a ser relembradas devagar.

Marília está gesticulando muito, mas fala baixo. Daqui me parece que Paulo está indiferente, quase a ignorando. Tenho vontade de ir até lá e fazê-lo entender, nem que precise usar a força bruta, que o amor de Marilia é bem maior que aquele incidente e, ao fazer o que ele está fazendo, ele está diminuindo toda uma história a um misero pedacinho de matéria. Ela tentou proteger o amor de vocês. Talvez de maneira errada, mas e a intenção, onde fica? Umas lágrimas estranhas estão rolando nas minhas faces. A compaixão já havia se implantado no meu coração de maneira definitiva, mas eu não faço parte dessa história e não tenho a coragem nem o direito de interferir diretamente.

É! Minhas impulsividades estão mesmo tentando insurgir, mas por enquanto a barreira criada a partir de tanto empenho ainda contém a revolução sentimental calada e inexpressiva a quem me olha de fora. No entanto, eu já não posso mais me esconder de mim e também não chego a compreender o que estou sentindo. É mais que um senso elevado de justiça, é mais que raiva acumulada durante anos e na certa é mais que compaixão... Marília é uma mulher excepcional e me é impossível não rir de mim mesmo quando me vejo percebendo que eu quero ir até lá tirá-la dali, daquele mundo quebrado, e trazê-la bem apertada nos meus braços. Quero protegê-la, mas, infelizmente, o melhor jeito de fazer isso é deixar a conversa prosseguir mais um pouco. Tenho certeza, isso não é compaixão...

Compaixão eu senti quando eu desci do ônibus atrás dela que, ao sair, ainda teve de se recolher mais ainda atrás de suas faces coradas, tentando ainda se proteger de uma intervenção maldosa que veio lá do último banco: “A ingrata vai descer e já vai tarde. Onde já se viu, Meu Deus... Dar um tapa em quem te salvou a vida!” Disse a nossa locutora rodoviária e Marília saiu tropeçando pelos degraus.

Se até então eu ainda ponderava se ia atrás dela, naquele instante me levantei sem dúvidas apanhei minha mochila e a bolsa de Marília, lancei um olhar fumegante de repreensão àquela mulher implicante e pedi educadamente ao motorista, que já estava acelerando o veículo, para abrir a porta porque eu precisava entregar a bolsa da moça. Ainda que de má vontade, ele abriu e eu saí correndo... Eu já sabia que o caso era grave e torcia para que não fosse tão grave quanto eu estava percebendo. Depressão tem níveis. Me lembro bem desta aula...

Depressão profunda é muito grave. Causa, entre outras coisas, perda de prazer nas atividades; retraimento social; pode, embora mais raro, se apresentar com aumento de apetite; e até idéias suicidas. O escrito a respeito do último ponto, as embalagens vazias de chocolate, fonte de estimulo para o neurotransmissor do prazer; o tapa no rapaz que a ajudou e o desespero... Era depressão profunda e eu sei o quanto isso é horrível de se sentir. Eu me tratei com auto-medicação e auto-reorganização sentimental, mas o certo era ter procurado ajuda profissional. Talvez por isso, até ainda há pouco, eu ainda estava perdido...

Aquela avenida era movimentada por natureza, mas me pareceu muito mais carregada nesta tarde, não sei se por causa do horário ou da pressa. Acho que os dois. Tinham se passado apenas alguns segundos; suficientes só para uns quinze passos, no máximo, mas eu já não conseguia ver Marília na multidão.

A avenida lotada de homens procurando fisicamente por prostitutas gostosas e jovens comprando e usando drogas de todos os tipos me assustou. Não sei por quê. Eu mesmo já havia explorado aquele chamado “submundo” inúmeras vezes.
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Continua... No dia 22/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Gênesis - 9º Capítulo

- Não!- ela me olhou nos olhos e deixou a bolsa cair no chão.- Isso já não vale nada! Toda essa vida foi roubada de mim e isso, tudo isso é apenas matéria morta.- os olhos dela se moveram de maneira estranha e conhecida ao reagir ao meu olhar já mais convidativo a uma conversa.- Carlos, né? Essa escritora nunca mais será a mesma, se é que ainda sobrará alguma mulher...- e ela voltou ao esconderijo de suas mãos.

Era depressão. Ela não valorizava nada mais do que possuía. Mais que isso, era crise existencial. Um daqueles momentos em que não ser nada parece melhor do que ser o que se foi ou o que se é. Eu não me lembrava mais o que é desvalorizar matéria por um ideal. Mas, meu nome, como ela sabia? Ela me conhecia, mas de onde? Eu não a reconheci imediatamente. Minha mente gastou algum tempo se sondando, tentando achar aquela mulher em algum lugar no tempo. Eu não me lembrava dela, mas também não me era uma pessoa tão estranha assim. Marília, agora as lembranças são claras como água e já não sei mais o que tudo isso significa.

Um homem de cabelo comprido e cavanhaque bem feito, vestido com um roupão branco abre a porta da pequena casa e, com um sorriso forçado e verdadeiro ao mesmo tempo, cumprimenta Marília com um beijo suave e distante na face, parecendo surpreso em vê-la. Ele lança um olhar desconfiado a mim, Marília o abraça bem forte e faz um carinho em seu rosto, ele fala alguma coisa e se solta rapidamente dos braços carinhosos daquela mulher, assim eles começam a conversar. Então esse é o Paulo...

Minha mente volta ao ônibus, à minha epifania. Escritora? Eu não conhecia nenhuma escritora exceto a autora daquele fantástico romance psicológico que iniciou a minha saída da depressão que perdurou por seis meses após Felícia ter me deixado. O livro mostrava um personagem puramente racional, um psicopata, que conseguia tudo o que queria. Hoje sei que na verdade ele não era psicopata já que, durante todo o romance, apesar de manipular muito bem todas as pessoas ao seu redor, não matou ninguém, mesmo quando isso era a melhor opção. Ele sempre dava um jeito de preservar a vida e afastar o antagonista, que era seu irmão, um sentimental que sempre botava a perder as conquistas da família por ter atitudes viciosas. Esse livro era assinado por Marília Buonicelli.

Eu havia comprado o livro junto com outros tantos que me chamaram a atenção numa bienal, um dia antes de conhecer Felícia e ela tomar pra si todos os momentos vagos ou não, da minha vida. Seis meses e três semanas depois, eu estava diante do dilema: o que fazer com tanto tempo livre? Me foi sugerido que fizesse o que queria fazer antes da minha namorada mudar tudo, mas eu não lembrava de quem era eu antes dela. Precisava de uma nova identidade e acabei assumindo como certa grande parte da personalidade do personagem criado por Marília. Demorou muito tempo até me parecer de verdade com o tal do Pietro, mas consegui.

No fim do outono daquele ano, a escritora esteve numa noite de autógrafos em minha cidade e eu estive lá para prestigiá-la. Sua obra havia me ensinado como não sofrer mais por males emocionais. Eu precisava agradecer a autora que, se não me falha a memória, não se parecia nem um pouco com aquela mulher ao meu lado no ônibus. É engraçado lembrar, mas conheci Marília na sacada daquele centro cultural, sem saber que era ela. Conversamos um pouco sobre a obra e ela pareceu espantada ao ver a minha interpretação, eu era tão novo e já tinha o coração quebrado em milhões de pedaços. Ela, depois de cinco minutos, pegou uma caneta e escreveu num marca-páginas do evento, o número do seu celular com seu nome ao lado, me disse pra ligar para ela dali a alguns anos e foi andando para dentro da multidão. Quando eu vi o nome dela pedi um autógrafo e ela me respondeu que quando me encontrasse de novo me daria o autógrafo. Fiquei olhando ela, uma mulher alguns poucos anos mais velha que eu, linda e talentosa. Não ia esperar alguns anos pra ligar, apesar de ter entendido que ela queria dizer para que eu amadurecesse um pouco mais as minhas idéias. Nessa época eu envelhecia mais rápido, a depressão me cobrava respostas e eu corria atrás delas. Posso ter sofrido muito, mas foi a época que mais cresci intelectualmente.

Uma semana depois liguei pra ela, tentei umas quarenta vezes querendo continuar a conversa sobre literatura, mas ela não atendeu. Talvez por isso eu tenha bloqueado a memória, eu ainda não era racional e isso tinha me machucado um pouco.

No ônibus, eu tinha apenas uma vaga lembrança; algo que parecia se assemelhar a uma vida que eu já havia perdido. Vida passada? Não podia ser. Eu apenas supunha ser Marília por que era a única escritora viva de quem tenho livros na estante. Mas precisava ter certeza que era ela que estava ali, chorando. De repente me lembrei de uma cena similar do livro que ela tinha escrito. Não se passava num ônibus, mas duas pessoas se encontravam depois de muito tempo. O encontro foi obra do acaso e, como a literatura permite certa fantasia, as duas começam a conversar sem se lembrarem uma da outra. Se não me engano, é a cena de abertura do livro.

- “Hey, como vai o coração?”- disse eu, com um tom de cantada, tentando encenar a primeira fala do livro com naturalidade e simpatia, mas estava tudo enferrujado dentro de mim.

Ela olhou pro lado com cara de espanto. Senti que ela estava pronta para me dizer algum palavrão e me dar um tapa, mas ela olhou bem no fundo dos meus olhos com aqueles olhos que começaram a se mexer e brilhar, sorriu e moveu os olhos para o canto superior esquerdo, tentando se lembrar de alguma coisa, depois olhou para minhas mãos.

- “Meu coração? Foi roubado pela realidade já há algum tempo.”- disse ela num tom de lamentação e, olhando vagamente para a porta do ônibus, voltou a chorar.

Era a frase que eu queria ouvir, a segunda fala do livro, que, tirando o choro, tinha sido encenada exatamente como eu a imaginava. Ela, a mulher do ônibus, era mesmo Marília Buonicelli, ou alguém que decorou o livro... Só podia ser a autora do livro que tanto me havia ajudado; por isso, minha mente sentia tanta necessidade de ajudá-la. Era retribuição. Eu não podia crer, e ainda acho que estou meio alucinado pela conversa com minha amiga esta tarde. Sete anos depois... Pena que ela estava assim tão triste. Ainda não era compaixão, mas era algo mais que humanidade. Eu precisava ajudar Marília. Tentei me lembrar da continuação do dialogo do livro.

- Está mesmo acontecendo isso?- murmurou ela, falando consigo mesma e se arranhando nos braços.- Nunca imaginei que um dia seria verdade. Um coração roubado...- ela riu com ironia.- Pra que viver sem coração? Eu perdi tudo... A última esperança me foi roubada por um mendigo, nada mais real...- suspirou, pegou a bolsa e tirou dela o estojo e o caderno, abriu o estojo devagar, pegou uma caneta, abriu o caderno na ultima folha e começou a escrever.- E a última página de uma vida tão feliz mostra palavras tristes, sem vida. A proteção falhou, a mentira acabou e isso talvez seja bom...- ela falava o que escrevia numa voz de choro.- Lágrimas rolam, e agora? Continuar viva? Tenho um apontador, mas o lápis finalmente acabou. A caneta sem tinta cospe ainda uma gota de sangue negro da minha vida. O próximo ponto será o final.- ela voltou a chorar desesperadamente.

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Continua... No dia 19/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed