Ela estava presa no seu mundo particular, alheia a tudo. O sofrimento era evidente. “O próximo ponto será o último”? Não. Eu me espantei quando percebi que aquilo não era metáfora. A próxima parada do ônibus era numa avenida muito movimentada da cidade onde havia prostitutas e drogados. Ela ia se render à realidade como eu fiz, mas apontador? O local movimentado e real de repente me pareceu disfarce. Ela pretendia se cortar com a lâmina do apontador!
Olhei pela janela, por sorte o transito estava carregado, mas mesmo assim já estávamos perto do ponto. Eu tentava me lembrar o que me disseram quando eu tentei me matar. Felícia me dizendo que não ia voltar comigo, eu sem entender por que, sem entender o que tinha feito. Eu quis morrer mesmo, a vida sem ela não fazia sentido nenhum. Foram tempos difíceis. Fico pensando o que seria de mim sem Marília e a resposta que hoje me assusta e me parece sem sentido, na época era a melhor senão a única solução plausível. Aquelas três semanas esquecidas começaram a ser relembradas devagar.
Marília está gesticulando muito, mas fala baixo. Daqui me parece que Paulo está indiferente, quase a ignorando. Tenho vontade de ir até lá e fazê-lo entender, nem que precise usar a força bruta, que o amor de Marilia é bem maior que aquele incidente e, ao fazer o que ele está fazendo, ele está diminuindo toda uma história a um misero pedacinho de matéria. Ela tentou proteger o amor de vocês. Talvez de maneira errada, mas e a intenção, onde fica? Umas lágrimas estranhas estão rolando nas minhas faces. A compaixão já havia se implantado no meu coração de maneira definitiva, mas eu não faço parte dessa história e não tenho a coragem nem o direito de interferir diretamente.
É! Minhas impulsividades estão mesmo tentando insurgir, mas por enquanto a barreira criada a partir de tanto empenho ainda contém a revolução sentimental calada e inexpressiva a quem me olha de fora. No entanto, eu já não posso mais me esconder de mim e também não chego a compreender o que estou sentindo. É mais que um senso elevado de justiça, é mais que raiva acumulada durante anos e na certa é mais que compaixão... Marília é uma mulher excepcional e me é impossível não rir de mim mesmo quando me vejo percebendo que eu quero ir até lá tirá-la dali, daquele mundo quebrado, e trazê-la bem apertada nos meus braços. Quero protegê-la, mas, infelizmente, o melhor jeito de fazer isso é deixar a conversa prosseguir mais um pouco. Tenho certeza, isso não é compaixão...
Compaixão eu senti quando eu desci do ônibus atrás dela que, ao sair, ainda teve de se recolher mais ainda atrás de suas faces coradas, tentando ainda se proteger de uma intervenção maldosa que veio lá do último banco: “A ingrata vai descer e já vai tarde. Onde já se viu, Meu Deus... Dar um tapa em quem te salvou a vida!” Disse a nossa locutora rodoviária e Marília saiu tropeçando pelos degraus.
Se até então eu ainda ponderava se ia atrás dela, naquele instante me levantei sem dúvidas apanhei minha mochila e a bolsa de Marília, lancei um olhar fumegante de repreensão àquela mulher implicante e pedi educadamente ao motorista, que já estava acelerando o veículo, para abrir a porta porque eu precisava entregar a bolsa da moça. Ainda que de má vontade, ele abriu e eu saí correndo... Eu já sabia que o caso era grave e torcia para que não fosse tão grave quanto eu estava percebendo. Depressão tem níveis. Me lembro bem desta aula...
Depressão profunda é muito grave. Causa, entre outras coisas, perda de prazer nas atividades; retraimento social; pode, embora mais raro, se apresentar com aumento de apetite; e até idéias suicidas. O escrito a respeito do último ponto, as embalagens vazias de chocolate, fonte de estimulo para o neurotransmissor do prazer; o tapa no rapaz que a ajudou e o desespero... Era depressão profunda e eu sei o quanto isso é horrível de se sentir. Eu me tratei com auto-medicação e auto-reorganização sentimental, mas o certo era ter procurado ajuda profissional. Talvez por isso, até ainda há pouco, eu ainda estava perdido...
Aquela avenida era movimentada por natureza, mas me pareceu muito mais carregada nesta tarde, não sei se por causa do horário ou da pressa. Acho que os dois. Tinham se passado apenas alguns segundos; suficientes só para uns quinze passos, no máximo, mas eu já não conseguia ver Marília na multidão.
A avenida lotada de homens procurando fisicamente por prostitutas gostosas e jovens comprando e usando drogas de todos os tipos me assustou. Não sei por quê. Eu mesmo já havia explorado aquele chamado “submundo” inúmeras vezes..........................................................................................................................................
Continua... No dia 22/1/12 às 15:00
Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!
Abraços, Ed
Tá ficando bom, hehehe. Nem precio dizer que goto desse tipo de linguagem, né? =D
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