EdLua.Artes

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Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Gênesis - 14º Capítulo

Me lembro que ela demorou pra se acalmar, o tempo é que não sei ao certo quanto foi. O choro da minha companheira me prendeu e me tragou de tal forma que me impediu de olhar para o relógio que estava na parede bem em frente. Minha concentração se ilhou em como acalmar Marília. Ofereci água e tentei falar palavras doces, mas acho que minha ironia habitual acabou complicando um pouco as coisas... Então, já que as palavras não deram muito certo, decidi instintivamente ir me aproximando para ter contato físico. Me perguntei por que eu estava fazendo aquilo e minha mente me deu a resposta diretamente: “Contato físico é uma forma primordial de conforto, desenvolvida desde a primeira infância com o colo e os cuidados da mãe. Em outras palavras, é a forma mais básica de relacionamento e comunicação, que se desenvolve até a idade adulta, se tornando, então, toda a expressão responsável pela libido e prazer sexual.” Minha própria introdução de um trabalho para uma disciplina optativa que buscava ligações entre a infância e o comportamento sexual dos adultos.

Mas havia um problema, fazia tanto tempo que eu não tinha um grau tão elevado de proximidade física com uma mulher que não estava sendo paga para isso e, portanto, preparada e receptiva a todo e qualquer contato... Eu não sabia o que fazer, ainda mais sendo estudante já tão avançado de psicologia... Eu sei bem que carinho significa muita coisa e, dependendo de onde se toca, pode ser interpretado de vários modos... Fiquei com medo de tocar no joelho, muito perto das pernas pode indicar interesse sexual, e aí a chance dela me achar um tarado era enorme. Mãos indicam intimidade e ligação afetuosa, mas ela poderia encarar como invasão de privacidade se eu tomasse a mão dela do nada. Pior seria no rosto, pra fazer carinho no rosto ou na cabeça é necessária uma dose altíssima de confiança, já que a máquina motriz, o cérebro, e todos os sentidos humanos estão concentrados do pescoço pra cima. Nas costas então, ponto cego, nem se fala o grau de confiança tem que ser quase sobrenatural... Eu não tinha um ponto seguro do corpo dela pra tocar, todos estavam ou ligados ao sexo ou a uma relação de extrema confiança. Creio que mexia muito as mãos enquanto pensava onde eu poderia fazer um carinho sem que ela se sentisse invadida... No ombro! Mas, que coisa! Só agora me lembrei, o ombro é como um ponto neutro do corpo, talvez o único.

Na minha indecisão, Marília deve ter percebido que eu estava inquieto e deve ter percebido minha intenção pelo modo com o qual eu aproximava a mão da mão dela, às vezes do rosto, mas nunca chegava a tocar... Ela pegou minha mão e segurou um pouco entre as suas, depois, lentamente aproximou minha mão de seu rosto e acariciou-o com as costas dos meus dedos... E eu enxuguei algumas lágrimas dela... E ela encostou a cabeça no meu ombro, já mais confortada e mais aberta. Por fim, ela colocou meu braço por trás de seu pescoço e minha mão no braço dela segurando minha mão com certa força e, depois de uns segundos, parou de chorar.

- Faz mais de três meses que não me sinto assim...- disse ela num suspiro relaxado e profundo.

- Assim, como?- naquela hora eu não entendia direito as emoções de Marilia.

- Tranquila... Segura...- me explicou ela, como se fosse óbvio.

- Como pode se sentir segura com um estranho?- estranhei parecendo um filósofo, mas creio que um leve sorriso apareceu por ter conquistado a confiança dela.

- Mas você não é um estranho...- disse ela num tom reflexivo e carinhoso.- Não depois de tudo o que você já fez por mim essa noite... Você podia ter me deixado a qualquer instante, mas você está aqui até agora, entende? Além do mais, realmente, não me sinto nem um pouco ameaçada por você. Acho que você só quer mesmo me entender e me ajudar...

- Bom, em uma coisa você tem razão.- falei em tom ameno e claro ao perceber que ela estava fazendo carinho na minha mão com o polegar.- Eu quero te entender... Quanto ao resto, eu já não sei...- ela me olhou e apertou minha mão como quem diz que não quer ser abandonada.

- Carlos...- ela ainda estava escolhendo as palavras, me chamou só pra não perder minha atenção e, sabendo disso, permaneci com o olhar fixo em seu rosto.- Eu não tenho nem dormido direito de tanto que minha história tem me machucado...- disse ela limpando os olhos com um lenço retirado da bolsa. Boa parte da maquiagem borrada ficou no papel e, por trás da sombra dos olhos dela, haviam olheiras causadas pelas noites mal-dormidas. Percebi, naquele gesto, certa necessidade de provar que realmente ela estava sentindo muita angústia e que as noites de insônia de fato ocorriam, mas ainda era cedo pra julgar se era pedido de socorro ou obsessão pela verdade.- Meu namorado... Depois de seis anos... Terminou comigo... Na quarta-feira de cinzas... Estou mal desde então, pois sei que ele está com a razão, mas...- suspirou.- Queria que ele me entendesse... só isso...

- Hum... E qual foi o motivo da separação?- e minha mente já se armava na defensiva... Casais se separam todo dia, é normal, absolutamente normal...- Se não quiser falar...- completei, afinal se ela ainda estava tão machucada, era bom dar a opção. Às vezes as lembranças torturam nossas emoções e eu me lembro que foi por isso que escolhi abandonar e reprimir o meu lado emocional... Não consegui apagar Felícia da memória como eu queria, mas tirei todo o sentimento das lembranças... Ou, pelo menos, imaginava ter tirado até ler aquela carta... E a imaginação criou uma certa realidade que me permitiu viver com segurança até aqui.

-Eu trai ele....- disse ela suspirando e olhando pro chão, depois de um minuto de reflexão.- Quer dizer, na verdade, ele se sentiu traído... Eu só queria proteger o que valia a pena, o nosso amor. E aí ele disse que era melhor terminar...

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Continua... 3/2/12 às 15:00

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje.

Abraços Ed


Um comentário:

  1. Que lindo, quero saber mais...adoro ler e historia como essas são as melhores

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