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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Gênesis - 20º Capítulo

Minha tentativa de afastamento e retração falhou por que logo que acordou, minha acompanhante começou a fazer perguntas sobre mim. Eu estava inseguro, mas ela soube como se mostrar confiável. Confiável ela sem dúvida é, sempre me olhou nos olhos enquanto conversávamos. Mesmo assim eu resistia, e para que? Proteger minha razão? Ora, pra que tive tanto medo de perder o controle? Minhas respostas, que começaram o mais breves possível, foram se alongando no decorrer da conversa, mesmo assim eu puxava tudo para o presente. Falei das aulas desafiadoras do professor Sérgio, da minha amiga Letícia, das outras matérias, de como eu gostava de psicologia... Marília percebeu minha grotesca insistência em fugir do meu passado. Eu não falava com ninguém a respeito da minha ex-namorada, exceto com os poucos amigos daquela fase que, de vez em quando, ainda falam comigo. De fato, nem mesmo Letícia sabia da existência de Felícia. Tudo que a pessoa que mais me conhecia sabia é que tinha acontecido algo muito grave com minha mente. Mas Marília soube exatamente o que falar para me deixar sem saída nenhuma...

- Mas, Carlos, quando nos conhecemos, você me disse que fazia Letras e você foi o primeiro a fazer uma análise profunda e boa do meu livro, devia ser ótimo em literatura.- disse ela me olhando nos olhos após ter escolhido muito bem as palavras, movendo levemente e fixando por um segundo, os olhos pro canto superior direito das órbitas, indicando atividade na região lírica do cérebro.- Por que decidiu fazer psicologia?

E, então, eu podia até dizer que as pessoas mudam e fazer uma brincadeirinha boba, dizendo que, apesar de tudo testemunhar contra mim, eu ainda era humano, portanto, sujeito a mudar... Eu pensei mesmo em fazer isso, mas, sei lá, acho que considerei que seria estúpido com ela, que havia compartilhado comigo toda aquela dor e todo o passado dela. Pode ser que a sinceridade dela já havia me transformado em outra pessoa, mais próxima do que eu era antes de tudo isso começar. Mesmo assim, eu ia jogar toda a culpa nos meus chamados amigos, aqueles que me abandonaram depois de uma denúncia falsa de que eu era falso, mas Marília colocou minha mão entre as dela e apertou me olhando nos olhos, como se pedisse com todo o coração pra mim dizer a verdade e talvez fosse isso mesmo que eu precisava achar, uma mulher que me deixasse sem saída nem racional e nem emocional, pra que, eu tivesse somente a opção de dizer a verdade. E eu queria muito conversar com alguém que me entendesse. Quando me dei conta eu estava trocando carinhos com ela... E contando toda a verdade da minha vida, enquanto eu chorava aquele choro de limpeza emocional e ela quase sorria de me ver chorando, feliz por ter descoberto que eu ainda tinha salvação.

Contei tudo, toda a minha vida, olhando sempre nos olhos dela. Era mesmo a minha sinceridade absoluta que tinha me separado da Felícia, agora, depois de tanto tempo esquecida num canto da minha mente, estava criando vínculos com Marília Buonicelli, a escritora do meu livro de cabeceira, é a vida trazendo surpresas! Contei como conheci meus amigos no intervalo do colegial e como foi duro ver que eles nem sequer procuraram saber meu lado da história quando uma ex-namorada de um deles disse a eles que eu havia dito a ela que eles não eram confiáveis; quando eu já havia avisado eles que, dias antes, ela havia me dito que eu é que não podia confiar neles. Até hoje, nem eu consigo acompanhar direito essa história, mas ali já comecei a ver que a sinceridade nem sempre é garantia de que a relação vai funcionar.

Contei que fiquei três semanas me preparando pra sair de casa, depois daquela confusão e, mesmo assim, levei uns bons dois meses procurando algum sentido nessa história toda, sem sucesso. Contei que minha vida só tinha voltado ao normal quando conheci a minha ex-namorada que me cobrava a sinceridade, mas, na hora h, não aguentou e nem entendeu o que eu estava tentando dizer, como o namoro inteiro também tinha sido instável. E contei como havia sido sofrida a separação, por que eu era totalmente dependente dela. E foi aí que realmente percebi como Marília é especial pra mim e rara para o mundo.

Eu mostrei a carta para ela, depois de contar toda a história da relação e da carta, ou quase toda. Ainda não havia contado exatamente o que causou a tal separação. Ela abriu a carta com cuidado e leu só para si, depois devolveu o papel ao envelope e lacrou de novo com um pequeno adesivo que tirou da capa do caderninho dela, me entregando de volta.

Ela suspirou, me olhou no fundo dos olhos e disse que eu tinha que ler a carta, mas quis saber o que, de tão grave e sincero, eu tinha dito a ela. Eu abaixei a cabeça com medo de falar e foi a vez dela de levantar carinhosamente a minha cabeça e com um sorriso me fazer o carinho mais sincero que eu já senti, sem nada de malícia ou pena, dizendo que para ela eu podia contar tudo. Eu me senti seguro como nunca havia me sentido nos braços dela, foi de longe a melhor sensação que eu já tive, por isso decidi contar ela. Acho que ela teve de se segurar pra não rir, mas a verdade é que eu disse a minha ex-namorada que havia outra mulher me encantando, mas que eu não queria trair ela por que, realmente, sabia que aquele encanto não poderia substituir a história que nós já havíamos construído. Eu esperava que Marília fosse fazer o que todas as outras pessoas pra quem contei essa história fizeram. Me perguntar qual a finalidade disso, o que eu esperava que Felícia entendesse?

Mas Marília é excepcional. Ela me sondou naquele olhar espantado e carinhoso que só ela tem e, por alguns instantes, ficou calada, me admirando... Eu pensava que ela estava me achando completamente doido e me surpreendeu quando ela pediu uma folha emprestada por que precisava escrever uma carta pra alguém especial. Eu emprestei a folha certo de que seria para o Paulo... Agora percebo que minha arrogância me servia de auto-afirmação, funcionava como um simulador de segurança, mas era mais um pedido de socorro, já que minha auto-estima estava lá embaixo desde que meus amigos cortaram os laços daquela maneira.

E, quando Felícia apareceu, eu acabei jogando todas as esperanças de um relacionamento bom em cima dela. Nós tínhamos sim quase o mesmo projeto de vida, achei que eu podia me entregar, mas essa entrega, na relação afetivo-amorosa eu ainda não sabia fazer. Eu não conservei nada pra mim. Todos os meus projetos, meus sonhos, toda a minha vida estava baseada na presença dela... Quando ela saiu da minha vida, meu chão imaginário caiu... E foi uma queda tão brusca que não consegui me reerguer de verdade, tive que inventar uma outra pessoa pra continuar viva por mim, mas... Marília sempre fez parte do processo e, nessa noite de maio, ela me reergueu definitivamente.

- Ela não entendeu nada, não é? Se sentiu traída?- disse Marilia se referindo à minha ex e me olhando nos olhos com um olhar de mulher decidida que me envolveu, enquanto dobrava a carta já escrita e a colocava na bolsa sem cuidado nenhum, e eu concordava com a cabeça.- Você usou as palavras com o sentido exato do que queria dizer. Você também só queria proteger o que valia a pena e eu entendo...- e aprofundando ainda mais o olhar.- Eu não viraria as costas pra você assim. Não viraria, não... Eu não virarei nunca.- eu abaixei a cabeça pensando que ela estava dizendo aquilo pra me consolar, mas, sem temer nada nem ninguém, ela levantou meu queixo e me fez carinho.- Carlos, olha pra mim! Eu sei que vou ter que lutar muito pra te convencer que seja lá o que aconteça nessa madrugada é com você que eu quero acordar amanhã!- ela fez uma pausa e observou minha reação. Eu olhava fixamente nos olhos dela, sem querer acreditar no que ela estava fazendo. Uma mulher do nível de Marília...- Carlos, sabe do que devemos cuidar em primeiro lugar?- continuou ela colocando a mão no meu peito.- De nós mesmos, sim, mas para isso não é necessário não sentir nada! E você conseguiu! Você cuidou de mim quando nem eu mesma acreditava em mim, me fez companhia a noite toda e ainda é sincero a ponto de fazer o que fez. E você, Carlos, me provou que ainda existem pessoas boas e inteligentes no mundo.- ela me abraçou e disse no meu ouvido.- Eu vou atrás da nossa resposta, da minha resposta, pra me libertar de algumas dúvidas que me prendem a essa história. Fica ao meu lado, fica ao meu lado, ta?

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Continua... 21/2/12 às 15:00... Último capítulo...

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje.

Abraços Ed

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