EdLua.Artes

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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Gênesis - 16º Capítulo

– Você não quis apontar como um erro, mas deve estar pensando que foi sim...- disse ela me olhando nos olhos.- Paulo tinha um olhar muito parecido com o seu quando voltou de viagem, na Segunda de carnaval. Logo percebi, tinha algo errado... Ele me ligou a cobrar da rodoviária, de madrugada com a voz meio triste, me pedindo para ir buscar ele por que estava chovendo e ele estava sem guarda-chuva e gripado... Tudo isso um dia antes do previsto...- ela fez uma pausa, cruzou os braços se abraçando e continuou.- Isso fugiu muito do que eu conheci de meu namorado. Ele sempre foi programado e pontual, sabe aquelas pessoas que, se marcam um compromisso, pode ser o que for... desde entrevista de emprego a festas na casa de amigos... se marcam às, sei lá... 3:18 da madrugada, é exatamente essa hora que chegam... se tem alguém que faz isso é o Paulo, sabe... Ele diz que não gosta de deixar as pessoas esperando, mas também não pode ser adiantado por que tem as coisas dele pra fazer e por que incomoda as pessoas chegar mais cedo... Ás vezes, ele é muito chato com isso, mas eu aprendi com ele a me programar para as coisas importantes. Eu amo até isso nele! Essa capacidade de me ensinar coisas importantes pra vida... Sem dúvidas eu cresci muito com ele e agora...- ela parou e me olhou com cara de quem está quase chorando, mas acabou engolindo o choro. Da minha parte, até me lembrei de tantos medos que havia enfrentado por Felícia e de como eu ainda pensava que a separação havia acabado com meus planos de vida; mas me interessei muito mais pela característica de Paulo e suspeitei de algum trauma muito forte, provavelmente de infância, na vida dele, ou podia ser reflexo de uma educação rígida por parte dos pais ou responsável que utilizou como exemplo. Não falei nada para ela, mas obsessão compulsiva por horários só faz as pessoas ficarem estressadas, ainda mais numa grande metrópole como essa, não ter flexibilidade aqui deve tornar a vida praticamente insuportável. Ela continuou, com a mesma carinha triste e as mãos mais quietas.- Bom... Era estranho demais ele voltar, assim, de repente, sem avisar, mas a esperança dele ter voltado mais cedo por saudade ou para mim cuidar dele...Tanto faz... O importante era que ele queria ir para casa comigo e eu estava pronta pra ele, mas...- ela não agüentou, colocou o rosto entre as mãos e chorou.

E, de novo, aquele choro me prendeu a atenção... Mas desta vez eu descobri por que... De repente, todo o peso da estupidez que eu havia posto nos meus ombros estava sendo retirado. Não era mais tão ridículo assim chorar durante meses por amor, afinal, eu não era o único Walter andando por ai. Walter é o irmão de Pietro, aquele louco que se entregava a cada emoção como se não tivesse outras pessoas no mundo... Pietro podia ter matado ele, mas ao invés disso o mandou para um hospício com um atestado falso de esquizofrenia. Pietro, sempre engenhoso e perspicaz... Como será que ele agiria vendo sua criadora chorar como seu irmão? Internaria ela numa clinica psiquiátrica também? E o que eu, Carlos Magno Vieira, o que eu faria? Sim, eu senti vontade de abandonar as bases sólidas que eu tinha e pedir perdão ao meu passado. Ta, realmente eu sei que eu precisava ter aprendido a usar a razão e nunca desprezarei meu próprio esforço, mas, talvez, naquele momento, eu tenha percebido o quão ridículo é querer fugir do ridículo. Talvez eu tenha sido brusco demais... E, assim, eu mergulhei de cabeça na terapia de choque que Marília estava me dando.

- Esse choro é tão bonito, Marília...- fiz um carinho leve no rosto dela e, gentilmente, pelo queixo, fiz com que ela erguesse a cabeça.- Esse choro mostra que você está sentindo o que está vivendo... Está integralmente envolvida no processo. Não esconda esse choro; não é uma vergonha chorar, talvez seja até um motivo de orgulho...- ela pegou carinhosamente na minha mão e foi como se tudo que minha família e a própria Felícia me alegaram a respeito da inutilidade deste choro se dissolvesse na minha mão.

Eu ainda me lembrava da dor que senti quando minha ex-namorada me disse que chorar não ia me trazer ela de volta e que eu tinha que parar de fazer drama. Creio que foi neste momento que toda a minha defesa começou a ser moldada de acordo com o parâmetro Pietro. Eu podia até aceitar minha família me dizer que Felícia não estava ali pra acompanhar toda a tristeza, mas a própria Felícia... Ela esperava que eu fosse ficar muito bem... Só agora estou realmente me curando de todo o mal que me causei pra sobreviver àquela separação. Só agora me sinto liberado pra me expressar, expressar as lágrimas é realmente uma conquista pra mim. Claro que, só agora, depois de toda ajuda mesmo que inconsciente de Marilia é que posso ver desse modo...

Marilia e Paulo ainda parecem discutir, parece que estão colocando tudo em pratos limpos. Marília com toda a certeza não gostou nada de como ele a havia tratado há pouco, com indiferença e ignorância, como se nem conhecesse ela. De certo, fazia ela se lembrar da madrugada de fevereiro que ela só queria apagar...

- Obrigada, Carlos...- disse ela com um olhar diferente, um pouco surpresa talvez, e apertando minha mão suavemente no rosto dela e, com o polegar, acariciou meus dedos. Aquele olhar foi diferente de tudo que eu já tinha visto, eu não consegui analisar totalmente até agora, talvez por que já nem queira mais. Parecia, sim, um olhar de espanto, mas não era isso, não só isso, por trás daquilo havia mais alguma coisa, uma expressão semelhante à de quem, em filmes, dá carinho por gostar realmente de alguém, mas será que isso existe mesmo?- ... Pena que o Paulo não é assim tão sensível... Sabe, Carlos, eu saí com tanta pressa naquela noite que esqueci de pegar o bendito pingente...- o olhar dela mudou, numa fração de segundos, pra um olhar de raiva, raiva de si mesma e do mundo todo.- Até hoje me pergunto como fui me lembrar só quando já estava praticamente na rodoviária e ai já era tarde demais. Ele não podia me ver sem aquela correntinha dourada no pescoço, era muito importante pra ele. Ele sempre disse que o pingente representava a nossa união por que ele tinha um igual e ele vivia me jurando que nunca tiraria aquilo do pescoço, enquanto estivesse comigo... E eu achava tão lindo que fiz a mesma promessa, como se promessas se cumprissem mesmo... Se ele soubesse que eu estava sem, com certeza terminaria comigo! Eu não podia deixar isso acontecer, eu não suportaria perder ele por um lapso de memória!- com certeza ela tem um ótimo domínio das palavras e muito conhecimento que estavam ofuscados pela depressão.- Abri o porta-luvas do carro e revirei tudo ali até encontrar um pequeno pingente que minha irmã havia me dado há muitos anos atrás e o coloquei no pescoço, a correntinha tinha a mesma cor e eu estava com uma camiseta normal, sem decote, assim ele veria só a corrente... Sei que mentir é feio, mas era pra proteger algo que valia a pena ser protegido... Um amor igual eu nunca vou achar.- ela suspirou e fez uma pausa.

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Continua... 9/2/12 às 15:00

Por favor comentem o que acharam do capítulo de hoje.

Abraços Ed

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