EdLua.Artes

EdLua.Artes
Blog mantido por Lua Rodrigues e por mim. Trata de Artes, Eventos Culturais, Filosofia, Política entre outros temas. (clique na imagem para conhecer o blog)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Gênesis - 8º Capítulo

- O ladrão era mendigo, eu acho; estava vestindo roupas velhas e rasgadas.- me contou o motorista.- Estava armado com um canivete que apontava para o peito da moça. Ela estava tirando um pequeno envelope de papel da bolsa que o mendigo tentava tomar dela. Foi ai que o rapaz apareceu atrás do mendigo e tomou a faca dele com um daqueles golpes de karatê, sabe... Só que, no susto, ela deixou a bolsa e o envelope caírem no chão, o rapaz conseguiu pegar a bolsa, mas o envelope o mendigo levou... Ela ficou desesperada, brigou com o rapaz, depois começou a chorar e a gente trouxe ela pra dentro.

Agradeci as informações e, quase imediatamente, comecei a processá-las, voltando a me sentar no meu lugar.

Para com isso! Não tinha heroísmo nenhum nas ações daquele rapaz. O mendigo devia estar morto de fome, roubando pra sobreviver, já que quase ninguém dá esmola hoje em dia. Uma faca? Se fosse um revolver ainda teria certa valentia, mesmo sendo covarde atacar pelas costas. E ainda desarmar com técnica de artes marciais? Posso ser leigo nesse assunto, mas não a ponto de não saber que desarme com as mãos nuas é técnica avançada. Entrar numa briga sabendo que vai ganhar é vaidade, não heroísmo. Eu pensei tudo isso naquela hora. Agora, revendo a situação, talvez o heróico seja saber usar o conhecimento para proteger um desconhecido e manter o controle sob pressão; mas ainda acho que a vaidade foi maior. Ainda mais sabendo o outro lado da história...

Eu quis levantar e mostrar a todos o que havia por trás da máscara daquele jovem, mas, quando olhei para a moça chorando ao meu lado, me pareceu muito mais lógico ajudar ela do que destruir um momento de vaidades inglórias.

Marília acaba de tocar a campainha da pequena casa mais uma vez, suas mãos ainda trêmulas me lembram a expressão de desespero que eu quis socorrer. Ela não parava de chorar. E, quanto mais ela chorava, mais eu queria poder amenizar a dor para poder conversar com ela, eu ainda não fazia idéia de quem era a mulher ao meu lado. Demorei alguns minutos pensando no que poderia acalmá-la sem invadir aquele choro sincero que eu estava abismado em ver. Era um choro puro... Desesperado, sim, mas de coração... Um choro que eu já tinha perdido e considerava extinto da humanidade e, talvez, por isso mesmo, me fazia crer em pequenas coisas antigas.

Me lembrei que Felícia sempre escondia as coisas o máximo que podia pra não me magoar, e eu brigava com ela quando percebia que ela estava triste comigo. Hoje sei que aquele era o jeito dela proteger algo que valia a pena, mas sempre achei um erro esconder as emoções, porque, na minha cabeça, situações que nos machucam tendem a se repetir se não fizermos o causador saber que nos fere. Ela escondeu nosso namoro dos pais, escondeu tristezas; queria viver de alegrias. E quem não quer? A idéia de que as coisas se completam eu nunca consegui explicar a ela, mas ela exigia sempre a minha sinceridade. Não me era problema algum ser verdadeiro, até o dia em que contei pra ela uma coisa séria que estava acontecendo... E ela decidiu terminar comigo.

Naquela época em que estávamos juntos, eu escrevia poesia e pintava alguns quadros, adorava tirar fotos e minha vida era a flauta mágica... Hoje a arte é parte do passado. Minha região lírica nunca voltou a funcionar como artística e tive que dar-lhe outra função, a da mentira.

Considerei mil maneiras de me aproximar de Marília no ônibus, de conhecer as razões daquelas lágrimas; mas nenhuma me pareceu boa e segura o bastante. Não queria piorar as coisas, o que, de certa maneira, bloqueava qualquer uma de minhas ações incisivas e persuasivas. Um abraço, um pergunta filosófica, um discurso sobre o medo de se viver numa cidade grande. Eu era um estranho e qualquer ato estranho de um estranho a faria se sentir mais assustada, mas qualquer pessoa seria estranha para ela naquele momento. Ela tinha sido assaltada por um estranho, supostamente salva, e sua reação provava que tinha sido condenada, por outro estranho; quer dizer, o que a faria imaginar que um terceiro desconhecido quisesse ajudá-la? Um gesto carinhoso e ela pensaria ser um tarado tentando se aproveitar de sua fraqueza. E se, por outro lado, o carinho a fizesse sorrir e ver que tinha alguém preocupado com ela, essa não era a minha intenção. Eu queria que ela falasse sobre o que estava sentindo, falasse sobre a dor e me contasse sua versão do assalto.

Peguei sua bolsa, estava aberta. Averigüei o interior, sem que ela percebesse. Celular; carteira; estojo; três livros-de-bolso; dois pen-drives; batom; espelho portátil; contas do serviço público; chaves de algumas portas e de um carro; brincos; uma pulseira; preservativos; pílulas anticoncepcionais e anti-gripais; lenços-de-papel molhados e uma caixa destes, provavelmente vazia; embalagens vazias de chocolate e um pequeno caderno. Estava tudo ali e eu misturei muitas dúvidas aos objetos. Me perguntava, sem parar, coisas que não faziam sentido: O que fora roubado de tão importante pra ela estar chorando assim? Se ela tem carro porque pegar ônibus? Chocolate, lenços molhados, pílulas anti-gripais... Está em TPM, gripada ou deprimida?

- Moça, sua bolsa.- disse eu lhe entregando o objeto.- Me perdoe, mas tomei a liberdade de verificar se faltava algo de valor.- ela pegou a bolsa balançando a cabeça baixa negativamente entre soluços.- Bem... Parece que está tudo ai e...- parei a frase em surpresa.
................................................................................................................................................

Continua... No dia 16/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

Um comentário:

  1. Parabens pelo bom trabalho qe vem fazendo , continue sempre atraz de seus objetivos.. Um grande abraçoo Giovani

    ResponderExcluir