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domingo, 1 de janeiro de 2012

Gênesis - 4º Capítulo

Realmente, a solidão é um dos melhores remédios para um choque dessa densidade. Eu me lembro de ter atravessado o corredor a passos largos e decididos, embora os olhos mostrassem a minha alma claramente perdida. Aquele corredor vazio, somado às palavras do professor Sérgio, me trouxe lembranças de como a vida já havia sido mais feliz, mais fácil e mais falsa. Eu já não tinha como evitar, alguém finalmente havia descoberto meus “quartos secretos”. Eu estava mesmo fugindo das emoções de tanta dor que elas já tinham me causado. Segundas chances que nunca me foram dadas haviam transformado minha pessoa. Foram duas vezes e eu não queria a terceira por saber que não ia aguentar.

Quem disse que instinto e razão não se combinam?

No meu caso, o instinto de auto-preservação se aliou muito bem ao pensamento racional. Eu entrei num banheiro para deficientes físicos, tranquei a porta e me apoiei na barra da pia para me olhar no espelho. Comecei um curto monologo interior no qual eu avaliei a situação com calma, ver minhas lágrimas escorrendo me trouxe ainda mais lembranças fortes:

Meus melhores amigos, aqueles que eu considerava como irmãos, me acusaram de falsidade quando tentei proteger a nossa amizade da verdadeira pessoa falsa, ainda lutei para reatar os vínculos, mas eles não me deram nem sequer a chance de me explicar. Golpe duro, mas superei graças à Felícia, minha namorada, que, depois de seis meses ao meu lado, interpretou como traição um pedido de socorro, terminou comigo e, lembre bem, Carlos das emoções, como você se humilhou pra ela voltar com você, por que a vida sem ela já não tinha sentido nenhum. Ri um riso irônico. Ela me deu uma segunda chance? Não! Mas, mesmo assim, tentei de novo, expliquei de novo que minhas intenções eram justamente evitar a traição, pedi perdão um milhão de vezes pelas mais variadas razões que eu havia imaginado poder magoado ela. Adiantou? Nada! Tentei ainda uma terceira vez, já sem coragem nenhuma... A carta num envelope rosa me devolveu alguma esperança. Esperança que resolvi guardar viva e sempre perto de mim. Isso faz sete anos...

Minha mente ainda pondera se é melhor abrir logo a carta e matar ou viver de vez a esperança, ou se deixa-la fechada até o dia da minha morte, acreditando, sem acreditar, nas pessoas, é o melhor a se fazer. E, enquanto aceno para Marília, que chegou à porta da pensão faz pouco menos de um minuto, dando a ela a segurança de que eu estarei aqui até isso acabar, sinto o peso da carta de Felícia nas minhas mãos me relembrar que a racionalidade pode até me custar caro, mas me salvou a vida, através de um personagem de um romance. E me pergunto, ainda uma vez, por que Marília quer que eu leia essa carta?

E, ai, me lembro da cena pela qual estamos aqui, Marília dará uma segunda chance de uma segunda chance acontecer... Assim como eu, mas com uma diferença, ela tem a mim aqui. Eu estava sozinho, ninguém entendia o que eu estava fazendo, ou procurava me ajudar. Meus amigos, todo mundo me disse que não eram amigos de verdade. Felícia, todo mundo dizia que ela não merecia tanta loucura assim. E eu acabei esfriando, me tornei gelado e calculista. É estranho pensar que um abraço atrasado em sete anos, pode começar a mudar as coisas e preparar terreno para uma coisa maior e mais definitiva.

Letícia gosta de conversar comigo por que acha que interpreto o mundo de um jeito mais delicado, mais analista, com mais calma. É a única pessoa que tolera minha presença em seu espaço social, alias, é a única que me chama para junto de si. Devo agradecer a ela ainda esse fim de semana por isso. Só hoje percebi o quão sincera ela é. Eu achava que ela me queria por perto por interesse de aprender a utilizar o meu método de análise do mundo. Eu sempre achei que ela absorveria tudo que eu podia dar pra ela e depois me abandonaria no primeiro erro que eu cometesse; e eu já estava pronto para admitir que sair do abraço dela tinha sido um erro, logo, ela me deixaria.

Quem foi a única pessoa que me procurou pelo campus inteiro com um livro para mim, na mão, por que a mochila dela estava muito cheia? Letícia!

Letícia me encontrou debaixo de uma árvore, com um monte de livros abertos espalhados no chão, todos falavam de emoções, mas não sobre a perspectiva do movimento emocional dentro das relações humanas. E, embora eu não tivesse notado ainda, eu estava tentando achar a resposta que eu queria nas perguntinhas do professor Sérgio, caçando ela onde menos ela podia estar. Estava desesperado, sim, mas não a ponto de sacrificar o que me manteve vivo até hoje: a esperança.

Me lembro que segurava este envelope exatamente como seguro agora. Acaricio as dobraduras quase como se estivesse acariciando o rosto da minha ex-namorada. Era um apelo, naquela hora, como em tantas outras. Ao mesmo tempo em que me maltratava lembrando da dor que aquela separação me causou, me trazendo de volta a racionalidade; me fazia lembrar de quão bom era me permitir ter emoções ou, ainda melhor, me permitir vivê-las, e isso me mantinha num equilíbrio fraco que me permitia viver. Mas, agora, o carinho já é outra coisa que já nem sei o que é. Parece ser carinho puro, sem apelos ou lamentações.

Marília, na soleira da pensão, ainda hesita em tocar a capainha. Vejo ela estender forças para apertar o botão que chama a resposta e depois deixar o braço cair. Insegurança? Nem tanto. Eu conheço isso, mas não sei denominar. Assim como minha carta, toda a esperança dela, o sentido de sua vida, está nessa conversa. O que me faz lembrar da conversa que tive com Letícia. Minhas memórias... O que afinal querem me mostrar que eu ainda não tenha visto?

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Continua... No dia 4/1/12 às 15:00

Por favor, comentem o que acharam do capitulo de hoje!

Abraços, Ed

E Feliz Ano Novo a todos!

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