EdLua.Artes

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domingo, 25 de dezembro de 2011

Gênesis - 2º Capítulo

Ela me beija. Um beijo rápido, no canto direito da minha boca, deixando um gostinho a mais de suspense. Agora sim, é oficial, não sei o que esperar dessa madrugada gelada! Minha mente que costuma ser questionadora, dessa vez me dá apenas uma resposta: ela não quis invadir o sentido estreito da outra carta, mas quis me dar o gosto de um beijo na boca... Por quê? Acho que tenho já duas partes da tríade nas mãos, as duas cartas. A terceira peça será a resposta que queremos.

Antes de partir para tocar a campainha da pensão, ela faz carinho no meu rosto. Um gesto de agradecimento. Eu repito o gesto, também devo muito do que sou agora a essa mulher. Em menos de oito horas, ela me transformou em outra pessoa.

- Carlos, obrigada por ter me trazido até aqui em sã consciência.- diz ela me olhando nos olhos.- Espero que eu saiba escolher o melhor e espero que você saiba escolher o caminho do seu coração.- ela deixa o braço cair e cruza as mãos à frente do corpo, mas o olhar continua fixo.- Se você não quiser, não precisa ficar e presenciar a cena final, pode ir embora, saberá onde me encontrar amanhã...

- Marília, eu não vou embora...- digo lutando contra todas as minhas inseguranças.- Prometi que ficaria com você até a resolução final e pretendo cumprir...

- Mas...- replica ela me olhando preocupada nos olhos.- Pode demorar...- ela ri do meu olhar e continua.- É, nada que eu diga vai te fazer me abandonar, né?- faço que sim com a cabeça e vejo a boca dela se mover sem voz me dizendo para ler as cartas.

E, com um sorriso amarelo nos lábios, ela se vira de costas para mim e vai andando devagar. De repente, uma dúvida me veio à mente...

- Marília!- chamo em voz baixa, ela para e se vira de novo pra mim com um olhar de “pode falar”.- Qual eu leio primeiro?

Ela ri um riso divertido, mas contemplativo. Riso filosófico, daqueles demorados e de som abafado.

- Penso que se eu disser “a minha” será uma atitude de fura-fila, e eu não sou fura-fila.- e, sorrindo, ela complementa num gesto de pura humanidade.- Quem sou eu para atropelar pessoas do seu passado? Sério, Carlos, não sou tão banal e frívola assim pra não respeitar a carta da Felícia, ainda mais sabendo o que ela escreveu. Leia a dela primeiro.- ela pisca o olho direito.- Claro, essa é só minha opinião. O juízo final será seu.- se vira e continua andando em direção a pensão, murmurando.- Coragem, Carlos! Coragem!

E lá vai Marília atrás da nossa resposta. Enquanto eu abro o zíper de um bolso frontal da minha mochila e pego o envelope cor-de-rosa já muito marcado por tantas dobras e amassados.

Deixo a mochila aos meus pés e me encosto ao poste numa atitude taciturna. Olho para as cartas e para o vestido longo que se distancia de mim tremulando ao vento de uma madrugada qualquer. Minha mente me abre dois caminhos de investigação diante dos fatos e matérias que se apresentam aos meus sentidos.

Uma análise lógica da última fala da minha acompanhante seria absolutamente inútil e fútil, não só por que não tem lógica ela estar afetivamente interessada em mim e, mesmo se estivesse, não faria sentido pedir para ler primeiro a carta da outra pessoa e depois insinuar para ler a dela; mas por que minha mente, pela primeira vez em anos, está desabilitada para trilhar o caminho lógico das coisas; restando, portanto, apenas o fluxo de lembranças que o tremular desse vestido branco, longo e estampado com borboletas e flores em tons diferentes de lilás e violeta, me traz e a inundação de sensações estranhas e bárbaras que me sobra do encontro com Marília. Esse vestido tremulando me lembra...

É estranho me render à corrente das lembranças emocionadas, parece que toda essa noite ainda está pulsando de alguma maneira. Parece que perdi a noção do tempo e passado remoto está lentamente se confundindo com o que acaba de acontecer e isso me assusta. Não, é pior que medo, pavor ou fobia... É incômodo, confuso, chega a doer, mas é alívio e prazer. Felicidade em perder o controle da mente, só eu mesmo! Rodo as cartas nas mãos enquanto observo, totalmente paralisado pelo gozo do momento, a ruptura de minha barreira lógica. A barreira sólida dos meus dias tremulando ao vento e eu rindo, feito criança! Que lindo!

Olho mais uma vez para o vestido de Marília... Ele me lembra... Me deixo levar agora e de uma só vez para dentro da história...

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Continua.... No dia 28/12/11 às 15:00


Por favor, comentem o que acharam do capítulo de hoje

Feliz Natal!!!!

2 comentários:

  1. fiquei muito intrigado Edgar. Estou curioso para saber o restante, e parabéns pela forma envolvente com que escreve.

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  2. Ai filho, que suspense!!!Vc sempre falou q iria escrever um, chegou a hora né! Que susupense....

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