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sábado, 7 de janeiro de 2012

Gênesis - 6º Capítulo

Abri um sorriso ao perceber que ela tinha falhado. Eu não tinha demonstrado afetação nenhuma, nem sorriso nem lágrima, nada. Mas não pude qualificar como pertencente ao grupo de sinais neutros o fato de eu ter aberto os braços espontaneamente. Foi um gesto impensado com certeza, emocional, sim. Minha pergunta era “qual a emoção presente ali?”. Mas, de qualquer forma, o interesse dela estando decifrado, eu podia voltar a minha vida racional. Estava tudo no seu devido lugar; interesse por interesse, eu também poderia estudar até onde vai obstinação de uma pessoa que pensa ser regida pelas emoções. E se não tivesse conhecido essa mulher que agora olha pra mim, lá da pensão, com aquele olhar claro de confusão emocional duelando com a ausência completa de certezas racionais, procurando em mim a imagem do que é certo a se fazer... Eu ainda não entenderia nada de relações humanas.

“Marília, não me olhe assim... Você sabe que a razão é incapaz de tomar decisões que não dependem de valores a se ganhar ou se perder... Você sabe o que fazer...” Com certeza esse é o significado que tento transmitir com esse meu olhar atordoado, enquanto Marília me observa rodar as cartas inquietantemente nas mãos...

Espere! A Teoria do Exemplo. “Uma mente em caos pode buscar suporte ao observar atentamente uma situação similar”... É claro! E aqui ainda há muito mais em jogo! Eu represento o poder de decisão, porque, metaforicamente falando, minha presença induz a mente dela a enxergar em mim a sua própria parte masculina, posto que sou o homem que soube ouvir, entender e racionalizar todas as emoções controversas da parte feminina de sua mente. Já para mim, ela, a figura de Marília, representa a contraparte emocional, feminina, da minha personalidade e, como a escolha de ler ou não a carta de Felícia tem peso igual nos dois lados da balança da razão, eu estou esperando que as emoções tomem a iniciativa. Estou esperando que Marília toque a campainha, enquanto ela espera que eu abra a carta. Um esperando a ação do outro para a imitar, ciclo sem fim de inércia diante do espelho e nada acontece...

De repente, uma idéia arriscada está percorrendo a rede dos meus neurônios...

É arriscado porque, bom, teoricamente, é uma mentira. Marilia precisa ver que eu tenho a coragem de ler a carta da minha ex, pois, assim, ela terá força para tocar a campainha e perseguir a resposta que nós dois queremos. Pois bem, tudo que tenho a fazer é abrir o envelope, tirar dele a carta e desdobrá-la, mas eu não preciso ler... É certo que a resposta me interessa, mas não o faço só por isso; eu realmente quero ver Marília feliz. Estranho. E mesmo assim resta uma dúvida, se vai dar certo, é claro que vai. Mas será que resistirei à leitura? Sim, essa é a grande questão, porque minha defesa mental estava justamente em não abrir o envelope. Uma vez aberto por mim, não tem sentido não ler a carta e minha mente curiosa com certeza a leria.

Mas esta não me parece uma hora para refletir sobre isso... Marília precisa deste estímulo. Se eu pudesse, eu mesmo tocaria aquela campainha e teria esta conversa por ela, como ela já leu a tal carta por mim, mas uma carta não é uma conversa, apesar de ser uma conversa. Bom, Carlos, é isso, meu rapaz...

Eu abro a carta e finjo ler, enquanto observo, por cima do papel, Marília se virar e tocar a campainha, toda insegura de tudo e de si mesma. A campainha toca e eu sou carregado de volta ao ônibus... Onde, parado num ponto, um grito de mulher me despertou da leitura daquele livro antigo que tratava do tema da aula do professor Sérgio.

“Assim sendo, podemos ter padrões positivos de conduta que interferem de forma negativa numa relação, ou desvios de comportamento como base de manutenção. Podemos inclusive iniciar relações a partir de defeitos do outro que nos gerem emoções contraditórias, mas isso não significa, de forma nenhuma, que não somos capazes de perceber coisas boas no outro e reconhecê-las como partes importantes de consideração numa relação saudável e desprovida de inveja negativa. Na verdade...”

E, nessa parte, o ônibus parou num ponto. Eu sou diferente, não gosto de ler em veículos que não estejam em movimento. É o balanço que envolve minha mente e atenta para a leitura. Fechei o livro. Olhei para fora, lá estavam as flores violetas caindo. O homem que estava a meu lado desceu.
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