O guarda-chuva
Existem momentos inesquecíveis na vida da gente, momentos que marcam alguma coisa, seja ela boa ou ruim... mas na tristeza sempre há alegria e vice-versa. Faz pouco tempo que passei por um momento que sei que não me esquecerei, um momento de decisão. As escolhas do coração às vezes não parecem ter razão, mas, se Deus escreve torto por linhas certas, o que impede de trocar o coração pela cabeça e pensar certo com órgãos trocados?
Bom, vou lhes contar o que houve comigo, julguem-me por si mesmo, não é uma história tão cumprida... penso eu.
Me chamo Rafael, sou um jovem homem, cresci há poucos dias atrás, era uma tarde de chuva, a manhã desse dia foi ensolarada, a chuva começou por volta de meio-dia... puro azar meu, tinha um compromisso inalterável, inadiável, ia ajudar um amigo a preparar uma festa de aniversário para a irmãzinha, digo irmãzinha por carinho, era, na verdade, um pouco mais nova que eu, mas era a mais nova da família dela, era minha amiga a muito tempo. Bom, pra complicar eu teria que ir a pé, minha família estava viajando e os carros foram com ela, e a casa desse meu amigo ficava do outro lado da cidade, a festa seria naquela noite, meu amigo, Gabriel, contava comigo, não ia decepcioná-lo por causa de uma chuva fraquinha daquela; alem do mais, a cidade é pequena...
Eu ia e eu fui! Apanhei algumas moedas, na verdade foram dez reais, caso precisasse de condução, e um guarda-chuva, sai, eram por volta de meio-dia-e-meio. Tranquei a casa, abri o guarda-chuva e sai... esse guarda-chuva merece algumas palavras...
Era de uma menina, minha amiga de infância, a primeira mulher da minha vida, ou o primeiro amor, pelo menos isso, não a primeira mulher, o primeiro amor! Bom, ela, Silvia, havia me emprestado o guarda-chuva quando tínhamos doze anos de idade, sete anos se passaram, e ele ainda estava inteiro e ainda me protegia.
A vida, às vezes, tem meios estranhos de nos fazer mudar, digo isso, pois, no caminho vi Silvia andando na chuva sem guarda-chuva, corri até ela, oferecendo-lhe proteção, ela aceitou.
- Meu guarda-chuva!- disse ela se encostando a mim, claro que pra se proteger da chuva, não a interprete de torto.
- Pra onde vai na chuva, Silvia?- perguntei eu.
- Tava na casa de uma amiga, mas, agora vou pra casa, me arrumar pra festa da Lu, irmã do Gabriel!- respondeu e emendando, me perguntou, com carinho.- E você pra onde vai?
- Por coincidência, tô indo ajudar o Gabriel.- respondi e também emendei com carinho.- sua casa fica no caminho, né?
- Sim, fica sim.- disse ela sorrindo entre a ingenuidade de menina e a sensualidade de mulher.
- Vem comigo... te deixo na sua casa.- disse e justifiquei-me.- Se você andar muito na chuva pode ficar doente.
Ela simplesmente aconchegou-se a mim e me deu um beijinho no rosto. Esse era o sim, o não seria um desvio do olhar e um caminhar chuvoso debaixo da chuva. Claro, nos conhecíamos bem, éramos amigos de infância, mas advirto ao leitor que já está esperando algo mais quente... advirto que nunca nem sequer um beijo nos lábios trocamos... embora já tivéssemos chegado perto disso numa brincadeira de verdade ou desafio, tão comum na minha época essa brincadeira... bom, mas nem assim, nem na hora dessa brincadeira, eu a beijei, por medo, que fique claro, não era falta de desejo.
Alias, esse dia de verdade ou desafio não me saia da cabeça. Todas as outras meninas, todos outros beijos que não tive o prazer de desfrutar, toda minha adolescência se consumiu nesse desafio, beijar os lábios de Silvia.
Mas, na rua, a chuva aumentou de repente, por volta das 13:00 horas. Achamos melhor pegar um ônibus, pegamos, tive ainda que pagar por ela, estava sem dinheiro a garota... mas, bem, isso não vem muito ao caso. Sentamos num dos primeiros bancos, o ônibus estava vazio, avistava-se algumas pessoas dormindo lá nos últimos lugares, mas era só. Sentamos e ficamos de bate-papo.
No ponto seguinte entra uma pessoa que me abordou com um docíssimo “oi”, ao olhar para cima vejo que se trata, agora sim, da primeira mulher da minha vida.
- Oi, Paula.- respondi com carinho.
Paula, a conheço a tão pouco tempo, cerca de quatro meses, e já a amo, ela invadiu minha vida com uma presença tão forte, de uma maneira tão linda e bárbara que me era impossível não ama-la.
- Posso me sentar?- perguntou Paula gentilmente.
- Claro.- respondi e me ajeitei para ela sentar-se ao meu lado direito. Depois que ela se sentou, fiz as apresentações necessárias. Ela e Silvia não se conheciam.
Elas se cumprimentaram, de maneira cordial, mas de longe. Dei um pouco de atenção pra cada uma, como um cavalheiro, mas juro-lhes que para mim estava sendo difícil, não só dividir a atenção, mas também, por me sentir preso a Silvia e querer estar com a Paula. Me sentia entre o passado e o futuro.
No meio dessa conversa, ficamos sabendo que Paula também estava indo para a festa da Lu, mas ela, como eu, tinha planos de ir direto para lá.
Descemos no terceiro ponto após o embarque de Paula, abri o guarda-chuva, não era grande, mas dava para nós três nos protegermos da chuva. Ai começou a polemica, Silvia precisava ir pra casa que ficava pelo caminho mais comprido para casa do Gabriel. Já Paula queria ir pelo caminho mais curto. Depois de dez minutos de argumentação, eu só ouvindo, não chegaram a lugar nenhum. Foi então que Paula disse pra mim numa voz muito feminina:
- Rafa, tome um partido... Afinal o compromisso é seu!
Por um instante meu coração parou, eu sabia que eu tinha que tomar uma decisão. Olhei para ambas, olhei para dentro de mim... e quando estava quase decidindo ir com a Paula, Silvia me lembrou:
- Você disse que me levaria pra casa sem que me molhasse, lembra?
- Lembro.- respondi e virando-me para Paula, perguntei, depois de alguns momentos de reflexão.- Preciso leva-la pra casa, sem se molhar, você se importa de pegar chuva?
Paula, olhando-me bem no fundo dos olhos, respondeu:
- Com você, não!
A olhei bem no fundo dos olhos também. Tomei minha decisão, cresci. O momento chegou, era hora de crescer. Dei o guarda-chuva para sua dona, Silvia, que ainda murmurou que precisava me pagar a passagem de ônibus, que não gostava de ficar devendo nada, palavra que não retruquei, simplesmente a abracei e lhe disse no ouvido:
- Qualquer dia você me paga, tá bom? Tenho que ir ajudar o Gabriel...
Ela me olhou nos olhos e me deu um beijinho no rosto. Depois desviou o olhar e foi andando, levando consigo o guarda-chuva; não sei se olhou pra trás. Eu fui pelo caminho mais curto, debaixo da chuva; mas de mãos dadas com a Paula nem parecia chover, chegamos por volta de 13:35 à casa de Gabriel, arrumamos tudo. Lu chegou do cabeleireiro e do shopping, fomos os primeiros a cumprimentá-la e comemorar com ela. Foi muito divertida essa tarde, durante ela a chuva parou, eram 18:00 horas quando a lua apareceu.
E à noite a festa começou animada, Silvia chegou por volta das 20:40, se divertiu também. A Lu não é o tipo de garota que reclama quando alguém chega atrasado, recebia a todos, animava a todos, é mesmo uma cativante menina!
E num canto escuro da festa, sem mais demoras, de mãos dadas, beijei os lábios de Paula!
Edgar Izarelli de Oliveira
Amor , particularmente julgo esse um dos seus melhores contos !
ResponderExcluirNão me surpreende , porque você é otimo em tudo que faz sei que com esse não seria diferente .
Fantastico !
Natty ..